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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O efeito "Rebound": o ressalto da auto-estima ou um tiro no pé?

Enquanto escrevo estas linhas, baixou um nevoeiro densíssimo, daqueles dignos de filme terror, sobre Almada. Olhando pela minha janela a visibilidade reduz-se a uma mera dezena de metros, as luzes da McDonald's são vagos contornos bacientos de branco e vermelho, os carros na rua fogos-fátuos com motor e as pessoas vultos fantasmagóricos.

Neste momento, pelo menos é como eu sinto estas ocorrências atmosféricas, tudo é possível: o regresso de D. Sebastião (ainda que mumificado e sem grandes hipóteses de salvar seja o que for), uma invasão de seres de outra dimensão (como na história de Stephen King, "The Mist"), uma vingança centenária de almas penadas (como no filme "The Fog", de John Carpenter), espíritos confusos presos numa aprendizagem extra-física (como no filme "The Others") ou até o ressurgimento de uma ilha milenar, onde criaturas mitológicas habitam em harmonia com a magia e outros conhecimentos perdidos (como na lenda de "Albion", presente em contos merlinianos e demais fantasias).

Lamentavelmente, e sem qualquer desprimor para os temas acima (qualquer um deles mil vezes mais interessante que o que escolhi para o devaneio de hoje), resolvi trazer à pedra um efeito conhecido por muitos de nós, senão por todos, ainda que talvez com outros nomes: o efeito rebound (ou ressalto, em tuga).

Para os mais futebolisticamente inclinados entre vós, tratar-se-ia de uma bola que por força de algum impedimento, ressalta num defesa e volta aos pés da equipa atacante, de forma a permitir uma segunda hipótese de conversão - para os amantes encalhados, acaba por significar uma liana de salvação, alternativa bem melhor que a queda no vazio amoroso.

Quantos de nós não viveram já, em qualquer momento da nossa vida sentimental, a desilusão de um abandono, a tristeza profunda de termos sido trocados/preteridos/abandonados/esquecidos/traídos (riscar o que não se tenha aplicado, porventura) pela pessoa em cujas mãos tínhamos depositado o nosso coração frágil?

Quantos de nós não se sentiram desamparados nesse momento, emocionalmente descompensados, como se nos tivessem tirado o fôlego, o vulgar "murro no estômago", sem saber se voltaríamos a poder confiar, duvidando se alguma vez o pobre músculo cardíaco voltaria ao fulgor de outrora, pondo em causa para sempre o amor enquanto coisa belíssima e pura que sempre tinha sido para nós?

E por fim, quantos de nós ergueram muros altíssimos, barreiras à volta dos nossos sentimentos macerados e punimos indiscriminadamente todos os que não mereciam (família, amigos, colegas e nós próprios), com o nosso semblante carregado, a melancolia no olhar, a amargura nas palavras e a rispidez nos actos mais simples?

Pois bem, foi para evitar este triste estado de coisas que alguém inventou, há milhares de anos, o "rebound"; desde a altura em que o último dos Neandertais viu a sua companheira trocá-lo por um Cro-Magnon todo chique, e pensou,de lágrima no olho: "Que se lixe, já não achava piada nenhuma aquela macaca, de qualquer das formas...", ressaltando de imediato na direcção da primeira fêmea bípede que encontrou - esta  história é verídica e deu origem, nos tempos modernos, a personalidades como a Júlia Pinheiro e algumas halterofilistas de países de Leste.

Resumindo, nos dias de hoje, os homens e as mulheres desventurados buscam consolo em regaços cuja proximidade se sobrepõe, amiúde, à estabilidade emocional e aos sentimentos de continuidade e coabitação.

Em termos de sabedoria popular ocorrer-me-ia o "tudo o que vem à rede é peixe", "mais vale um pássaro na mão do que dois a voar", "a cavalo dado não se olha o dente" - tudo, portanto do mais elogioso que dar se pode; a pessoa que se segue seria comparável a um peixe, uma ave ou um equídeo - bestial...

Mas é um facto, mais que assumido, que são essas relações que impedem, pela sua natureza de substituição de objecto de afecto, pelas suas características compensatórias, que nós caiamos totalmente em nós (o que para além de ser um paradoxo, deve ser extremamente doloroso) e nos apercebamos que ficámos, oficialmente, na m***a, sem apelo nem agravo.

Infelizmente, porque tudo tem um lado mau, este esquema tem muitos senãos (pelo menos meia-dúzia, em opção ou cumulativamente):

1 - a transitoriedade tem sempre um fim, forçando-nos a encarar novamente uma despedida;

2 - a outra pessoa acaba por sair magoada por não se ter apercebido que estivemos somente a usá-la como bóia de salvação;

3 - nós acabamos por levar na tromba depois da hipótese anterior;

4 - nós acabamos por sair magoados porque a outra pessoa também nos estava a usar como bóia de salvação e entretanto descobriu o amor - noutro lado;

5 - nós não crescemos enquanto pessoas porque não demos tempo suficiente ao "luto da relação anterior" (também chamado "fossa", "depressão" ou "ensaio para suicídio");

6 - nós passamos a vida a saltitar de compromisso em compromisso, como andorinhas do mar, com medo de pousar e nunca mais voltar ao ar.

Em jeito de conclusão, acaba por ser mais um aforismo que vem à memória, "preso por ter cão, preso por não ter"... Ainda assim, muitos são os que crêem que o rebound é absolutamente necessário para repor os nossos níveis de auto-estima em valores aceitáveis, permitindo-nos posteriormente entrar numa nova relação com as feridas saradas e sem bagagens excessivamente opressivas sobre os ombrinhos, um pouco como o efeito: dor de cabeça, uma aspirina... E já se pode apreciar a vida novamente.

Por já ter estado dos dois lados desta cerca, deixo aqui um conselho: não brinquem com os sentimentos das pessoas e deixem sempre bem claro em que estado levam o coração antes de começarem a correr - ninguém quer ter mais um AVC sem pré-aviso, ok?

Fiquem bem e uma óptima semana ;)
   

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Os Dói-dóis dos Doidos: uma reflexão sobre o amor e as leis dos homens...

O amor é uma coisa estranha, um sentimento que desafia a descrição, à margem da ciência, da lógica, da razão e de todo o empirismo do mundo. Move montanhas, mobiliza exércitos, arrasa previsões e altera as nossas vidas, para o bem e para o mal - gosto de pensar nele como um corte de papel: de fora ninguém percebe porquê tanto alarido, mas nós sabemos bem o quanto está a doer (e porque tudo parece bater na ferida...).

Hoje, como é feriado, acordei a boas horas para poder reflectir sobre este e outros temas, sentindo-os ressaltar aqui no crânio à espera de uma epifania, mas sem grande sorte... Entretanto, numa abordagem marcadamente mais optimista que o habitual, pensei que por mais complicado que tenham sido os meus relacionamentos, ao menos nunca tive de os esconder do mundo - sempre pude, despudoradamente, ostentá-los, de forma a que depois os seus falhanços fossem, também, infelizmente, do conhecimento geral...

Ainda assim, e como diz a sabedoria popular, pela boca sempre sábia de um ogre verde, "Maix vale xoltar que guardar...", e quem sou eu para questionar os aforismos de uma criatura de ficção?

Daqui por dias, ou se calhar ainda hoje, que eu quando não estou a trabalhar baralho muito as datas, um governo que se diz o mais livre e democrático do mundo vai, pela 2ª vez, a votos para combater, nas suas forças armadas, a discriminação baseada na orientação sexual, sob a campanha "Don't Ask, Don't Tell" (algo como "Não Perguntes, Não contes").

Este princípio, datado de '94, proibia as autoridades militares de iniciarem qualquer investigação sobre a eventual homossexualidade de algum dos seus membros, ao mesmo tempo que proibia os militares de partilhar, admitir ou demonstrar publicamente que o fossem - agora Obama quer acabar com estas restrições, emendando o princípio para uma total descriminilização da preferência sexual.

Pode parecer uma coisa pequena, quase insignificante, pelo menos para os mais tolerantes, mas é um facto que num meio fechado, machista, sexista (apesar de já haver mulheres há umas dezenas de anos) e tradicionalmente androcêntrico, a homossexualidade é, amiúde, brutalmente reprimida e silenciada.

Vêm à memória casos de espancamentos, nos anos 80, dados como "lições" a militares da marinha americana, alguns levando a homicídios violentos, por partes de colegas de armas que se sentiram indignados pelas escolhas sexuais dos seus companheiros de camarata. Outros houve que ocorreram por razões passionais, e alguns ainda que levaram a mal a rejeição por parte de marinheiros com a mesma orientação e resolveram silenciá-los.

Quando casos como estes chegam aos ouvidos do público em geral, já os gabinetes de imprensa militares falharam há muito; há indicações que apontam para que apenas 1 em cada 100 casos sejam reportados para fora, ainda que menos de 5% resultem em mortes. Mesmo assim, cinco mortes em cada cem não deixam de transparecer uma situação preocupante, ainda que não oficialmente.

Eu gosto de pensar que, independentemente da nossa orientação sexual, somos seres humanos com opiniões, desejos, vontades, objectivos, ambições e capacidades criativas, profissionais e literárias, dignos de admiração e respeito, desde que a nossa conduta o permita. Mas não sou ingénuo ao ponto de acreditar que uma questão de fundo como a preferência de companhia íntima possa ser tão indiferente a todos como a da inclinação musical.

Imagino que alguns machos-alfa sintam os orifícios naturais ameaçados enquanto dormem, ou tomam duche, com um perigosíssimo e potencialmente bem apessoado colega na cama, ou chuveiro, do lado... Mas realmente, em que é que isso os aflige, quando se trata de confiar no homem mais próximo e as balas zunem com o nosso nome gravado, quando a nossa vida pode depender do soldado que partilha com ele a trincheira...?

Quer consigam passar a lei, (que vem dar a todos os militares americanos o direito a assumir a orientação sexual), quer não, o facto é que a discussão que levou a este ponto foi tão ou mais esclarecedora do que anos de segredos escondidos e mentiras debaixo de tapetes metafóricos. Ficou a saber-se quem era homofóbico, quem queria "sair do armário", quem achava que o exército passava bem sem alguns profissionais, e quem fugiu do serviço militar para sobreviver à humilhação - e é mesmo conversando que as coisas se tornam claras, que os consensos se encontram e que as verdades deixam de ser embaraços e passam a abraços (cuidadosos, e a uma distância cautelosa abaixo da cintura, mas abraços ainda assim...).

E o que tem toda esta verborreia a ver com paixão e amor? Tudo. 

Nos EUA, temos um governo a tentar mover montanhas processuais, mobilizando milhões numa cruzada de aceitação como não se via desde os primeiros passos do movimento feminista, no Sec. XIX, ou dos direitos civis nos anos 50-60, pela integração racial - no fundo, o amor de um homem por outro, ou de uma mulher por outra, tornou-se tão importante que teve de se fazer uma lei para se escrever, preto no branco, que já não há que ter vergonha em ser humano, independentemente de quem acorda na cama ao nosso lado.

Haverá maior prova que o amor comanda o mundo? (inserir sorriso cínico aqui) 

E de repente, em comparação, as tampas da minha vida já só parecem caricas... ;)


Village People - In the navy (version originale)
Enviado por scorpiomusic. - Veja os últimos vídeos de música em destaque.