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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Crise da Vergonha, e a Vergonha da Crise...

Meus amigos, neste último post de 2011 queria deixar-vos uma mensagem especial.

Mais um ciclo que se fecha, terminando um gregoriano ritual de 365 singelos dias, em que milhões respiraram um derradeiro sopro, enquanto quase o dobro abriu os olhos pela primeira vez, vidas ligaram-se, soltaram-se, perderam-se, criaram-se, justificaram-se e desperdiçaram-se sem razão nem rima aparente.

Porque a grande roda do karma não carece de fundamentos, apenas pensamentos - acções geram reacções, outras acções criam erecções, e outras ainda fazem apenas correr tinta. 

Cada vez mais virados para o nosso pequeno universo, entupidos de contra-informação e desinformação, habilmente tecidas para nos ocultar o principal, somos vítimas silenciosas - e mais grave, voluntárias - de uma complexa teia de enganos, urdida com perícia, desviando os nossos olhares quando tentamos ver o que pára atrás da cortina dourada, lavando-nos o juízo com reality shows, celebridades vacuosas e artes circenses dignas mais de Circe que de circo - um dias destes ainda daremos connosco transformados em alheios porcos, inconscientes para o destino certo que nos aguarda, felizes na pocilga até à chegada anunciada do açougueiro... 

Porque rios de tinta já correram sob a pena da crise, porque crânios bem apessoados, recheados com cérebros eminentes, já opinaram sobre tudo e mais alguma coisa, desde arautos da desgraça a velhos do Restelo, desde marketeers sorridentes a políticos mentirosos, todo o tuga e o seu cão tiveram uma palavra a dar, e uma certeza pessoal e intransmissível sobre o rumo que o país leva, e as razões que nos puseram neste caminho.

Não sou mais do que ninguém, mas também não serei menos, pelo que tenho também umas ideias a partilhar, uns pensamentos para debitar, convosco.

A crise, tal como tem sido veiculada, não existe. 

Nunca existiu propriamente, ainda que os seus efeitos se façam sentir, com maior ou menor repercussão, em todos os estratos da sociedade - naturalmente que esses mesmos efeitos são do mais negativo que há para quem já pouco tinha, e extremamente animadores para quem nunca deixou de ter muitíssimo.

O dinheiro e o seu valor, os mercados e os seus indicadores, os índices e os seus operadores, as agências de rating e os sues manipuladores, nada disso mudou, nada disso sofreu uma iota com os acontecimentos dos últimos anos. 

O dinheiro é o mesmo de sempre. Não há hoje nem mais nem menos do que havia. Os governos valem o mesmo que sempre valeram, e os seus governantes continuam a ser as criaturas demagógicas e egoístas que sempre  foram. Os partidos permanecem como Janus, o deus de duas caras, a dizer uma coisa e a fazer outra, não importando quem está no poder - uma mão sempre lavando a outra, e as duas lavando o rosto de estados que, de direito, só terão o nome.

Enquanto a bolha do imobiliário estoirava do outro lado do Atlântico, algumas centenas lucraram com isso. As mesmas que lucraram, e ainda lucram, com o 11 de Setembro. As mesmas que fomentam guerras e de seguida incitam à paz. As que derrubam governos, para terem onde colocar quem lhes defenda os interesses. As que controlam organizações humanitárias onde o dinheiro da venda de droga, armas e tráfico humano é branqueado, e de onde os donativos e alimentos recolhidos são depois entregues a guerrilhas, que os venderão às populações que cada um de nós, cidadãos solidários, pensou estar a ajudar com o pouco que pôde dispensar.

Os presidentes mudam e mudam-se, os ministros saem e entram, deputados votam e abstêm-se, juízes formam-se e reformam-se, representantes oficiais unem-se e corrompem-se, forças de segurança compram-se e vendem-se, mas o dinheiro, meus amigos, esse continua o mesmo.

Se crise há, se crise existe, é da vergonha, da honra e da palavra dada.

Lembram-se de quando dizer "palavra de honra" era um vínculo sério? Quando um "acordo de cavalheiros" era algo selado com sangue? Quando um "pela minha alma, pela minha saúde e a dos meus filhos" só se proferia quando realmente se dizia a verdade?

Eu não tenho a certeza, nem me lembro quando, mas sei que ainda vi gente assim. Gente simples, gente rude muitas vezes, mas gente verdadeira. Portugueses com rugas no rosto, mas com uma consciência sem mácula. Homens e mulheres que, em meio ao rigor das suas vidas, não deixaram que a sociedade do facilitismo, do compadrio, e da cunha fácil os toldasse, os tornasse ímpios, pobres de espírito e ricos em coisas vãs.

Portugueses que sabiam que as coisas importantes na vida se conquistam com o suor do nosso rosto, e não com o dos outros. 

Portugueses que levaram uma vida inteira a juntar para depois o seu país os roubar, que criaram famílias numerosas com dificuldades que hoje só imaginamos, sem apoios pedagógicos, medicação para hiper-actividade, alimentação equilibrada, actividades extra-curriculares ou recompensas por todo e qualquer mérito.

Portugueses que trabalhavam de sol a sol, que pagavam uma casa arrendada - que comprar era para ricos -, que não tinham medo de dizer "não" aos filhos, que não tinham depressões, nem esgotamentos, nem stress, não porque não tivessem sido inventados, mas apenas porque não tinham tempo para isso.

O tempo era pouco para a família, mas quando existia não era partilhado com caixas que falavam  e davam luz. Quando festas havia, todos as tornavam realidade. Quando os amigos se juntavam era na mesma sala, e não no mesmo chat. Quando os amores se inflamavam era na mesma rua, e não no Facebook. E quando gostavam mesmo de alguma coisa que viam, daquelas que valia a pena guardar, sacavam de uma bela duma Kodak, ou de uma Polaroid, e tiravam uma foto.

Uma foto! Sabem o que era? Vinha em papel brilhante, ou mate, e guardava-se em álbuns. Os casamentos lembravam-se assim, de lágrima ao canto do olho, a prima Joana, como era bonita, ou a tia Magda, como era velha e rabugenta, o feliz casalinho, como estava lindo nesse dia...

Não foi assim há tanto tempo. Porque ainda é agora esse tempo. Mas a sociedade sobrepôs tudo, a uma velocidade tal que já não há tempo para respirar. Para absorver. Para deixar a vida correr para nós, e não por nós. 

Deixámos de ter tempo para os outros. Para os nossos. Para o nosso coração. O umbigo, por melhor que pareça depois de tanto tempo no ginásio, não é um órgão essencial. Convenhamos, nem sequer é um órgão - é apenas uma lembrança de nove meses em que nem sequer tivemos de respirar ou comer, de um tempo em que o mais importante da nossa vida éramos nós.

Mas mesmo nessa altura o nosso umbigo trazia-nos tudo porque alguém zelava por nós. Porque decidiram pensar em algo mais que eles próprios. Porque decidiram que a vida só se pode dar como vivida quando se arrisca. Quando se dá o melhor de nós numa causa que pode ser perdida. Quando só baixamos os braços porque já não os temos, e mesmo assim nem aí. Quando acreditamos que "desistir" é o que se faz quando se esquece que isso nunca foi uma opção.

Ser português é tudo isto e muito mais. 

É gostar de fado e bola, de novelas e história de faca e alguidar, de almoçaradas e jantaradas, de praia e roupa curta, de mexericos e escândalos, de amigos e família - mas é também deixarmo-nos dormir na forma, dar a quem não merece o nosso destino, e cruzar os braços quando a democracia falha.

Ser português é ter pelo na venta mas também é ser cortês, é buzinar nas estradas mas também é cortar mato para deixar uma ambulância passar, é reclamar nas filas, mas também é dar a vez a uma mulher com outra vida dentro, é arrotar bem alto mas também é elogiar quem cozinha como a nossa mãe, é mandar piropos do alto de um andaime mas também é escrever cartas de amor, por mais ridículas que elas sejam.

É uma greve quando o dia roubado nos vai custar no fim do mês, mas também é deixar de ter fins-de-semana quando ajudamos quem mais precisa, é ser senhor de uma vontade de descobrir mundos, mas também ser capaz de nunca sair do seu jardim.

Desde D. Afonso Henriques que o nosso país - na altura bem longe disso - é uma amálgama cultural, social e económica, em que ter pouco se tornou um estilo de vida viável, e em que o "desenrasca" e o "vamos ver se dá" se tornaram filosofias zen, seguidas escrupulosamente por quase 10 milhões hoje em dia.

Descobrimos um mundo inteiro, provámos que a Terra era redonda, demos nomes a lugares distantes, criámos um país de irmãos alegres - mas pobres também, que isto é genético - encantámos o planeta com génios de bola e vozes de sempre, temos uma gastronomia globalmente reconhecida e dos melhores vinhos de todos os continentes, desfrutamos hoje de avanços tecnológicos fenomenais e uma das melhores educações que o dinheiro (não) pode comprar, um exército altamente capaz e forças de segurança equipadas para tudo.

Resumindo, quando queremos isto resulta - é preciso é querer.

E crises? Crises, meus amigos, comêmo-las ao pequeno-almoço desde antes do tempo do Menino Jesus. 

São o pão nosso de cada dia. Vencêmo-las todas. Todas.

Na despedida deixo-vos uma história da História: 

Neste nosso canto de terra e sal, reza a lenda que o nosso primeiro líder era pastor e caçador, reconhecido pelos romanos como um líder astuto e decidido - tão poderoso que só corrompendo três dos seus conselheiros conseguiram matá-lo, e mesmo assim durante o sono.

Viriato é reconhecido, não só como um grande homem, que se guiou pelos padrões de honra e honestidade dos maiores heróis clássicos, como uma pessoa simples, de trato justo, palavras ponderadas e incapaz de ceder à privação da liberdade com que nascera.

Disseram os romanos da Lusitânia desta altura, erguida entre Douro e Mondego, e expandida além fronteiras:

 "A mais poderosa das nações da Península Ibérica, a que, entre todas, por mais tempo deteve as armas romanas".

Detivemos o maior exército da história. Vencêmo-los com engenho e coragem. Com sangue, suor e lágrimas empurrámo-los para lá das nossas linhas. 

Porque nunca deixámos de acreditar. Porque éramos Lusos. Porque fomos tugas. Porque somos Portugueses.

Feliz 2012. Façam por isso, meus amigos.




sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A Sociedade do Chega Pra Lá... O_o

Amigos, neste dia repleto de significados esotéricos, numerológicos, matemáticos e outros, quis deixar uma reflexão social e altamente pessoal, que por acaso é coisa pouco habitual neste blog.

Sem muito preâmbulos, hoje quis falar da facilidade, da autêntica arte que está enraizada, desde tenra idade, na maioria de nós, a da desculpa fácil aos nossos defeitos, erros e responsabilidades. 

Talvez seja porque é uma questão ocidental, possivelmente mediterrânica, mas possivelmente mais transversal a "ene" civilizações do que gostaríamos de admitir, mas tenho dias em que me farto das esquivas, das permanentes tentativas de tanta gente para evitar o inevitável: assumir alguma coisa de que não se orgulhem.

Entre clientes distraídos, que nem olham para as cadernetas antes de as actualizar e metem uma página qualquer, jurando a pés juntos que algum ilícito tinha sido praticado nas suas contas, ou que a máquina se tinha enganado - clássica, esta última - passando por colegas que nunca desarrumam nada - presumindo-se portanto culpa do material, que como é rebelde se desarruma sozinho... - e terminando em amigos, familiares e conhecidos que se esquivam de assumir responsabilidade no actual estado de coisas do nosso país - possivelmente por amnésia, que a omissão de auxílio é crime... - é um desconsolo ver o estado de coisas a que se chegou.

Entre políticos que apontam o dedo a tudo menos a si próprios, a pais que culpam professores, sociedade, filmes e jogos de vídeo pelos filhos que andaram demasiado ocupados para criar, a países que deitam as culpas de erros recorrentes a gerações mortas e que levantam as mãos para os céus, num gesto de absoluta inocência, entre religiões que chutam p'ra canto ensinamentos pacíficos e só lêem o que lhes convém, e entre milhões mortos pela fome, pela doença e pela guerra todos os anos enquanto o mundo dito civilizado, de costas viradas, pergunta se será altura de se inscrever num ginásio...

E depois não podemos desprezar o valor da Comparação Relativista (adiante designada por CoRe), que tenta colocar em perspectiva erros grosseiros ou defeitos gravosos, à luz de situações que permitam pensar que a asneira de que se é acusado é pequena comparada com a de umas misteriosas "outras pessoas", dos infames "montes de malta" ou do famigerado grupo "toda a gente".

Dou-vos como exemplo um colega meu, super boa onda, altamente espiritual - como o bacalhau, mas mais corpóreo - que, teimosamente, apesar de ser altamente inteligente e ter uma memória prodigiosa para dados políticos e geográficos, insiste em fumar como se o mundo fosse, de facto, acabar em 2012 (coisa com que ele insiste ser verdade, em brincadeira naturalmente). Já o conheci a fumar meio maço por dia - o que para quem nunca viu um desses à frente, se traduz em 11 preguinhos de caixão - e a sentir-se excelente, mas a querer diminuir. Nessa altura, usando o tal esquema da CoRe, ele alegava que conhecia "outras pessoas" que fumavam um maço inteiro, ou mesmo mais!! 

A parte engraçada é que estou convencido que ele acreditava mesmo que isso queria dizer que ele tinha uns pulmões virgens, e não que se matava - ligeiramente - mais devagar, o que é completamente diferente. O poder da sugestão é, indubitavelmente, uma força poderosa :) 

Mas continuando, aí há um ano mudou para tabaco de enrolar, absolutamente convicto que este passo só traria vantagens - não só era muito mais barato que o processado pelas tabaqueiras e as suas margens gananciosas, como era mais saudável - por possuir menos aditivos, supostamente - e ainda - e esta era a "pièce-de-resistance", pelo tempo que demorava a fazer um cigarro, com mortalhas, filtros e perícia à mistura, passaria menos tempo a fumar (!) e começaria, gradualmente, a perder a vontade de o fazer pela trabalheira que dava...

Não foi preciso muito tempo para o meu amigo - e digo-o com todo o orgulho que isso implica, porque é de um muitíssimo bom amigo que se trata, um ser humano fantasticamente inteligente e altamente competente a incontáveis níveis, mas humano ainda assim - aparecesse no trabalho com uma maquineta que parecia um baton sobre-dimensionado, que permitia fazer cigarros de uma forma automatizada, com um mínimo de esforço e desperdício :)

O argumento na altura foi que andava a desperdiçar muito tempo (o que antes era bom) e tabaco muito caro (que outrora era muito barato) numa operação que devia ser prazerosa. E a parte gira das ilusões que criamos para nós mesmos, das gaiolas douradas em que nos encurralamos, é que tomam configurações de tal forma atractivas que simplesmente não admitem perspectivas divergentes, como aquelas esculturas de rostos em baixo relevo, que parecem seguir-nos onde quer que estejamos.

Enfim, escusado será dizer que por essa altura este amigo já não passava a horinha habitual sem fumar, tendo reduzido o seu compasso de espera em muitos minutos e aumentado o consumo em muitos preguinhos - lá se ia a estatística confortável...

Como cereja no topo do bolo, aqui há coisa de 2 meses descobriu uma maquineta, que pela similaridade à outra, deve ter sido a versão industrial da primeira, antes de miniaturizarem o aparelho - agora, manifestara orgulhoso, já podia fazer 3 cigarros ao mesmo tempo! Confrontado, por mim, como um possível sinal de aumento descontrolado do consumo, desdramatizou dizendo que este novo tabaco - sim, que ele compra uns quilos por mês, e de todas as marcas, não é esquisito - era de tal forma mais saudável que o anterior que ficava ela por ela - e assim se dá a tal volta de 360 graus à vida de um trintão :p

E é este homem que deslinda com admirável simplicidade conspirações políticas, estabelece paralelos notáveis e analogias sagazes, o ser pensante que eu conheço que mais facilmente mistura o paranormal com para-anormais que é o nosso dia-a-dia de cidadãos neste país de incoerências escabrosas, verdades escondidas e vergonhas perdidas - a prova provada que a inteligência não é antídoto para o auto-hipnotismo inconsciente.

Não há mês que passe sem que eu me olhe ao espelho e pense que era melhor estar sossegadinho, que as ondas moem pedras, mas têm muito mais força com o mar todo por detrás - e que uma voz solitária tem um poder quanto muito simbólico, se não for solista de um coro maior, ou parte de um colectivo coerente. 

Eu próprio crio desculpas diárias para procrastinar os meus sonhos, os meus objectivos antigos, resoluções para problemas novos e velhos, mas sei no meu âmago que tenho culpas no cartório, e que, independentemente das cartas que a vida me jogou, o meu destino faço-o eu - a cantilena de caminhos escritos por linhas tortas, de karmas milenares e outras teorias tipo palmadinha-nas-costas, servem o seu propósito de tala nos olhos até um ponto.

A partir de um determinado momento, ou tomamos as rédeas das coisas, ou elas tomam as nossas - e acreditem que sentir o cortar do chicote no lombo, o freio nos dentes e as forças a esgotarem-se sob um futuro inclemente é um destino pior que a morte.

Parar é morrer, e fingir que não erramos o suficiente para ter de mudar é pior que parar - é imaginar que corremos enquanto todos vêem que estamos imóveis, de olhar fixo no umbigo, um fiozinho de saliva a escorrer no canto dos lábios...

Não podemos deixar que o maior inimigo da nossa felicidade nos impeça de atingir todo o nosso potencial - e se esse inimigo for o nosso próprio orgulho desmesurado, será assim uma vítima tão importante a sacrificar no altar dos nosso sonhos?  

Feliz São Martinho, amigos e amigas, que esta noite vos traga iluminação e um caminho claro à vossa frente - mas atenção, se exageraram na água-pé, pode ser sinal que caíram na linha do comboio... :D




segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Steve Is Really Inside... :)

Boa noite, amigos, e desde já as minhas desculpas por esta ausência mais prolongada que o costume, mas não me foi de todo possível arranjar material para os 2 posts que pensava escrever e, entretanto, surgiu de para-quedas este tema que me é particularmente próximo - a morte súbita, ainda que não inesperada, de Steve Paul Jobs, 56 anos, vítima de um cancro pancreático que combatia há 8 anos.

Sem me alongar muito, Steve era um homem que dispensava apresentações - um visionário como haverá poucos, criador e impulsionador de "ene" dispositivos e conceitos que ou despoletaram, ou solidificaram paradigmas tecnológicos, foi ele o cérebro por detrás da reviravolta da Apple - donde era CEO desde 96, tendo sido fundador em 79 mas de onde tinha saído em 85, por desavenças com o co-fundador Steve Wozniak  - tendo, com a inestimável ajuda de Jonathan Ive, alcançado o invejável estatuto de "guru" do visionismo consumista tecnológico.


Da sua mente surgiu uma boa parte do Mac OS, o fantasticamente simples e pioneiro sistema operativo criado pela Apple, percursor do Windows, com um conjunto de inovações baseadas na acessibilidade e na intuição - algo que a rival Microsoft ainda procura desesperadamente (talvez seja com o Windows 8... :p)



Foi também sob a sua alçada que os Macintosh se tornaram peça de culto entre os fãs da tecnologia em massa, visualmente apelativos e ricos em escolhas eminentemente práticas - lembro aqui o fantástico iMac dos anos 90, muito inspirados nos NeXT, criados por Jobs no interregno do seu reinado Apple - repletos de cores vivas, num conceito all-in-one, abandonando a então ubíqua drive de diskettes e substituindo-a por uma pioneiríssima drive de CD!!! Uns anos mais tarde os iMac viriam a evoluir para os actuais desktop dream machines, com ecrãs LED até 27", processadores de última geração e discos solid-state, a máquina de eleição de designers gráficos e publicitários em todo o mundo :)


Mas até aqui chegarmos, o tio Steve deu ao mundo a morte do Walkman de cassete, acelerou a despedida do MiniDisc também da Sony, e anunciou alto e bom som a alvorada da era digital - a música já não tinha de ser pesada, rebobinada nem complicada - apesar de ter havido outras tentativas prévias, por fabricantes conceituados como a Creative Labs e mesmo a Phillips, nenhuma empresa chegou aos pés da facilidade de utilização e absoluta intuitividade do botão multidireccional do primeiro iPod, em 2001 - literalmente inventando a roda :D  

Em 2004 voltou a desafiar preconceitos e a restabelecer paradigmas - disseram que a Nokia era impossível de vencer no jogo dos telemóveis, avisaram-no que a Sony e a Ericsson estava a ganhar quota de mercado e que gigantes como a Samsung e a HTC tinham entrado a "matar" - mas Jobs não quis saber. Conjuntamente com Ive, criou de raiz o que é, possivelmente, ainda hoje, o mais acessível e multi-facetado terminal móvel do mundo: rápido, táctil - algo de pioneiro na altura, infinitamente configurável com a melhor loja de aplicações do planeta - a AppStore, integrada com a pioneira plataforma multimédia iTunes, o centro de operações de tudo o que pudermos ter da Apple - estávamos em 2007 e tinha nascido o iPhone. Uma manobra aparentemente arriscada e destinada a falhar mas, em última análise, genial. Aliás, na sua iteração mais recente, lançada um dia antes da sua morte, o iPhone 4S veio trazer melhoramentos substanciais a nível de hardware, bem como uma nova versão do iOS, o sistema operativo exclusivo da Apple para dispositivos móveis. E como cereja no topo do bolo, o SIRI, o assistente pessoal que reconhece a nossa voz, em dicção natural, e satisfaz os nossos pedidos como fazer chamadas, enviar mensagens, encontrar algo no Google ou simplesmente navegar na internet - se já havia algo assim? Mais ou menos, mas nunca tinha funcionado, e agora funciona. É assim tão simples.

Em Janeiro de 2010, noutro golpe de génio, Steve revolucionou novamente o mercado da computação pessoal e de entretenimento - um "iPod Touch gigante", como muitos lhe chamaram, mas com capacidades acrescidas e um poder de processamento duplicado ao iPhone, caído de para-quedas num mercado que já tinha tentado lançar tablets por fabricantes reconhecidos, como a Acer, a Asus e a HP, sem nunca conseguir convencer os consumidores - quando o iPad foi anunciado, as pré-reservas superam na primeira semana meio milhão de unidades e a Apple voltava a re-inventar a roda. A receita? Dar aos consumidores algo de irresistível, criando uma necessidade que antes não existira - a da conectividade permanente com classe para dar e vender...

Ao longo dos anos, este homem foi admirado por milhões e temido por muitos, pelo seu feitio muitas vezes irrascível, capaz de ora acarinhar um funcionário genial como o destruir moralmente no dia seguinte - consta que terá despedido empregados no elevador, atirado objectos variados na direcção de colaboradores menos produtivos e evitado ir trabalhar dentro dos horários normais da Apple, de forma a não ter que ser interrompido por "cérebros menores".

Por contraponto, era-lhe também imputado um carinho especial por jovens carenciados, tendo criado bolsas de estudo em bairros problemáticos de cidades americanas, sabia recompensar regiamente as melhores ideias e era perfeitamente inspirador para várias gerações de pessoas em todo o mundo - a sua filosofia era de que nenhum sonho era inatingível, e que se acreditássemos de facto em algo, nenhuma força nos poderia impedir de o atingir.

Quem ouviu as suas palestras em campus académicos sabe do que falo - a sua mensagem era de um positivismo extremo, apelando para a urgência própria de alguém que sabe que a nossa janela de tempo é limitada e que não teremos para sempre as condições ideais de realizar os nossos sonhos - vindo de um lar destroçado, abandonado pelos pais biológicos e criado em lares de adopção, não chegou a concluir os estudos para perseguir outros interesses, numa odisseia de drogas, viagens ao oriente e más companhias - de alguma forma, este corrupio de experiências abriu-lhe a mente à forma de pensar que o tornou um empresário de sucesso.


Por mais críticas que lhe sejam apontadas, deixo aqui em tom de apontamento um resumo ligeiro dos "achievements" de Steve Jobs: 

- iMac, iPod, iPhone, iPad - com vendas acumuladas de mais de 500 milhões de unidades em todo o mundo.

Para todos os que o endeusaram, exageradamente, restam as vozes dissonantes que lembrarão sempre que era humano como nós, capaz das maiores injustiças e das palavras mais brutais, ainda que único, na forma de ver um mundo que ele quis deixar mais ligado, mais simples e, em última análise, mais belo.

Não temos todos de gostar dele, mas retirar-lhe o mérito seria mais do que injusto, seria um acto de inveja e da mais elementar "dor de cotovelo" - antes de atirarem uma pedra a Jobs, experimentem construir um sonho do nada e vejam quão avante o conseguem levar - no fundo a maior esperança que todos  carregamos dentro de nós, a de deixarmos uma marca no mundo de que nos possamos orgulhar, de termos mudado algo para melhor e de termos vencido as metas que estabelecemos para nós próprios, quando todos à nossa volta nos disseram "não vais conseguir".

Obrigado, Steve, por tudo o que ajudaste a criar - a tua dedicação e paixão são uma inspiração para todos nós. Não sei se estarás num iHeaven ou num iHell, mas terás certamente um valente iDidit contigo :D





sábado, 2 de julho de 2011

Amigos Imaginários e Memórias que Nunca Aconteceram :)

Boa noite, pessoal :)

Lá deixei passar mais de um mês de intervalo entre os posts, mas foi por uma boa causa - tive mais que fazer, incluindo descansar - 3 semaninhas de férias que caíram que nem ginjas :) - e um regresso ao trabalho que caiu como um piano em cima de cristais Swarowsky :p

Naturalmente que neste interregno usei e abusei das viagens, (bem baratinhas por sinal em last-minute) - fui descobrir a Tailândia mais selvagem, a New York dos filmes de acção, aprendi imenso sobre a história do mundo, (desde a antiguidade até agora), vivi experiências radicais com para-pentes, experimentei armas de fogo de última geração e conduzi carros desportivos de fazer inveja ao Ronaldo - tudo isso praticamente a custo zero ;)

Claro que já se aperceberam que a crise não afecta a imaginação dos tugas (antes pelo contrário, aguça-a) e eu não fui excepção: armado apenas de uma ligação de fibra óptica, um PC que era o último grito em 2009 e os meus reflexos artriticamente felinos entreguei-me de alma e coração a um rigoroso programa de jogos de computador, filmes, livros, música e algumas saídas para jantar e almoçar com família e amigos - até fotos eu tirei do mundo lá fora, nesses dias, tão rara era a ocasião... Mas o mais importante foi mesmo a sensação de ter deixado este país, estes constrangimentos monetários, este rame-rame de pessoas, acontecimentos e rotinas, em que vi coisas novas, tive sensações inusitadas e me desprendi da parte mais física do meu ser.

O que me traz ao tema de hoje - já estavam a pensar que me tinha esquecido, admitam lá... - o dos amigos imaginários e de como a nossa memória percepciona o passado menos recente, mesmo aqueles momentos que garantimos a nós próprios "nunca esquecer"...

Possivelmente alguns de vós terão tido, nalguma fase da infância, a companhia de um fenómeno próprio de pequenos adultos colocados em situações em que precisam de partilhar experiências e acontecimentos com alguém que não os julgue, os acompanhe, entenda e, acima de tudo, esteja sempre presente, no melhor e no pior - a ciência psiquiátrica deu-lhe o nome de "Amigo Imaginário" e a criança ter-lhe-á, por sua vez, dado tudo o resto: outro nome, uma descrição física, preferências pessoais, brinquedos favoritos e até um lugar à mesa, na cama e nas brincadeiras do dia-a-dia. 

Em suma, a criança criou-o para fugir da sua realidade, nem sempre de situações traumáticas ou deprimentes, mas muitas vezes apenas como companhia, para poder explorar um mundo que ela populava com  as suas criações, os seus pequenos demónios interiores e onde ela era o centro das atenções, o herói ou heroína da história, onde as suas decisões, certas ou erradas, nunca seriam confrontadas com um "porque eu mando", um cruel "porque sim" ou o malvado "porque não"...

Apesar de ser raro detectar estes casos em jovens adolescentes e adultos, (fora de situações clinicamente referenciadas e políticos, em fuga da realidade, para Paris), podemos encarar os livros, os filmes, e o melhor exemplo, os jogos de vídeo, como expressões última da nossa vontade assumida e continuada de vivermos outras vidas, realizarmos façanhas impossíveis, ter toda uma história a girar à nossa volta, tomarmos as decisões mais difíceis e, no final, ficar com a miúda e salvar o mundo - tenha ele folhas de celulose, saia de um plasma de 50 polegadas ou se controle com rato e teclado, não deixámos de ter vivências reais com amigos imaginários - ou talvez vidas imaginadas com amigos reais... :)

E isto encadeia-se, quando vamos envelhecendo, com a nossa memória, companheira de uma vida, aquele elemento indefinível que nos faz não só aprender com a experiência, como guardar pequenas esferas de pura luz dourada, (onde indelevelmente ficaram marcados os momentos mais doces), e outras do mais lúgubre negro, (onde alguma tragédia pessoal nos deixou cicatrizes tão profundas como uma trincheira) - esta nossa capacidade para seleccionar o que nos vai ser essencial para ser feliz, uma referência no espaço-tempo de uma vida, e guardarmo-lo lado a lado com um pedaço de chumbo que nos quer arrastar para o fundo, faz do ser humano uma criatura tão permanentemente insatisfeita como, em última análise, uma obra de arte.

E ainda mais engraçado, é que a nossa memória é de tal forma protectora dos nossos sonhos e pesadelos, que metaforiza à bruta as nossas recordações mais fortes, imbuindo-as de significados e pequenos detalhes, ressaltando apontamentos de cores, cheiros e sons, criando um caleidoscópio feito à medida das nossas expectativas - naquele dia em que tivemos medo de uma aranha, em bébés, um medo que nos acompanhou para sempre, ela não tinha 30 patas peludas e o tamanho de um pequeno cão, nem caminhou sobre nós para nos picar, matar e comer... Mas é assim que a mente se recorda do que sentiu, do que experienciou e vai ser sempre assim que uma aranha será, até que a morte nos leve (ou um bom hipno-terapeuta nos liberte dessa ilusão, o que quer que venha primeiro...).

Paradoxalmente, as boas recordações costumam ser acompanhadas de dias de sol, do cheiro da luz quente - isto faz muito mais sentido (para um neurónio aparvalhado) do que parece -, de sabores intensos, cores vivas e momentos perfeitos - um pouco como uma foto tirada à pressa, em que a gama cromática exagerou todas as cores a níveis impossíveis neste planeta, tornando a realidade numa hipérbole de si própria... 
Mas enquanto vivermos, e cada vez mais à medida que a luz se for extinguindo (porque as memórias mais antigas, por terem sido "gravadas" em neurónios mais jovens, são as últimas a morrer...), aquele terá sido sempre um dia perfeito, com a companhia ideal, o amor de uma vida...

Em resumo, em miúdos e graúdos, a necessidade de criar um escape mental parece ser um elemento essencial da nossa sanidade, seja ele um amigo que só nós vemos, um filme de capa e espada, um romance de cordel ou um jogo de role-play... 

Quantos de nós levam essa muleta consigo num maço de tabaco, a bebem de um copo de três, a injectam de uma agulha usada, a possuem num quarto de motel, a agridem numa luta de rua ou tentam calá-la com saldos de conta?

A dor que cada um de nós carrega, aquela centelha de permanente insatisfação, é saciada temporariamente com os mecanismos que vamos tendo à nossa disposição, por vezes de forma imperfeita, outras mais conseguida, mas sempre connosco, a verdadeira e genuína inimiga imaginária, o contraponto daquela memória para onde queremos regressar, daquele dia que gostaríamos de voltar a viver, vezes e vezes sem fim...

Enfim, este post já vai enorme e metade de vocês já ronca - sim, tu aí atrás, estou a falar MESMO contigo - pelo que vou terminar: quero que vivam os momentos desta vida com uma intensidade tal que as recordações sejam tantas como as estrelas do céu, que os dias de sol sejam mais que os grãos de areia de uma praia deserta em fim de dia, e que todas as coisas más tenham a importância de um castelo de areia feito na maré baixa... Por maior que pareça agora, vão ver quando a água voltar a subir... ;)

Uma excelente noite, meus amigos, uma vida plena de maravilhas, e lembrem-se, se encherem a memória com sorrisos, não vai haver espaço para as tristezas :D








sexta-feira, 27 de maio de 2011

As mentiras que nos alimentam e as verdades que nos assustam...

Amigos, romanos, compatriotas, obrigado por terem vindo... :)


O mundo continuou o seu curso inexorável, o movimento centrífugo do nosso planeta contrariou suavemente o centrípeto, houve milhares que nasceram, morreram e deixaram a sua marca na terra nestes dias de interregno da minha escrita, e tudo sem qualquer intervenção minha...


Quem imagina que tudo seria diferente à nossa passagem para o grande mistério, está profundamente enganado - tirando uma pequena minoria de indivíduos que produzem, de facto, um efeito mensurável na vida de muitos, é um facto inegável que o nosso pequeno riacho apenas se cruzará com alguns afluentes relevantes ao longo do seu curso, uma mão cheia deles lamentando o nosso fim, mas procurando entretanto o seu próprio destino, a sua conclusão para uma história que é sempre única e irrepetível.


Em suma, a nossa insubstituibilidade para o normal curso da vida é um lirismo...


Todos os dias, para manter a nossa pequena psique em cheque com a loucura do mundo que nos envolve, dizemos pequenos mantras, sussurrados amiúde por entre os nossos axónios, subtis lembretes que nos permitirão, hora após hora, encarar a realidade dura das rotinas, das palavras vazias e das relações vacuosas com um sorriso, um comentário positivo ou um beijo apaixonado.


Desde o clássico "hoje vai ser um bom dia", até ao "tem calma, amanhã nada disto importará", passando pelo sempre actual "só interessa o que eu penso de mim" e sem esquecer o "mais vale só que mal acompanhado", muitas são as palavras de ordem que se imiscuem na nossa mente durante a vida, pequenos dominós conscienciais, brilhantemente encadeados para garantir um efeito final sólido e visualmente apelativo, os tijolos da nossa existência em sociedade, as máscaras da racionalidade politicamente correcta.


Fazêmo-lo porque não o fazer seria um suicídio social, porque os monstros existem e geralmente não usam máscaras, porque os nossos pares também o fazem, porque, como num mundo Orwelliano, os nossos próprios pensamentos são reféns permanentes dos dos outros, porque as nossas compulsões e anseios devem ser contrabalançados com paciência e ponderação, porque para cada Yin haverá, inexoravelmente, um Yang - mas acima de tudo, fazêmo-lo porque temos medo do que somos por detrás das palavras de conforto, do semblante composto e do sorriso fácil.


Quantas vezes o fazemos a nós próprios, aos nossos amigos, aos familiares, até aos perfeitos estranhos...? O conforto do positivismo, se assim o quisermos chamar, abordado em ene livros de auto-ajuda, incluindo no sobre-valorizado "O Segredo" (do qual vos estrago já o final - é "acreditem em vocês mesmos e tudo se comporá à vossa volta"), o efeito placebo das nossas convicções conscientes, é uma ferramenta poderosa do nosso bem estar, da nossa harmonia e da nossa própria saúde - acreditar que podemos superar um obstáculo é, inexplicavelmente, de enorme valor para conseguir, de facto ultrapassá-lo - mas o contrário é igualmente verdade, o que deixa os cépticos em dúvida...


Na realidade, as leis da atracção, que regem a maioria das correntes positivistas, baseando-se no princípio anti-físico que cargas de igual valor se atraem, são fruto dessas nossas racionalizações privadas, trazidas abruptamente ao ar livre e, antes de oxidarem em contacto com o oxigénio da verdade, cobertas por uma espessa camada de optimismo caramelizado e apetitosas amêndoas de fé.


Na verdade, meus amigos, todos tomámos o comprimido azul e convencemo-nos, à posteriori, que escolhemos o vermelho, a Rainha de Copas quer mesmo a nossa cabeça e se não tivermos juízo, a Polícia do Pensamento se encarregará de nos corrigir, ou encarcerar ad eternum para que não contaminemos os restantes membros do rebanho - e não, isto não quer dizer que eu subscreva integralmente o que escrevo, apenas que é simpático tomar consciência que a nossa sanidade é um singelo fio de algodão a atravessar uma floresta de lâminas... ;)


Mas nem tudo é mau - a espécie humana foi sempre rica em subterfúgios, esquemas e matreirices, mecanismos evolutivos avançados necessários para sobreviver num ambiente repleto de predadores, condições hostis e perigos vários - fossem eles uma selva plistocénica ou uma festa de debutantes. Foram estes sistemas, que fariam corar Darwin, que nos elevaram até ao topo da cadeia alimentar em poucos milhares de anos, que fizeram de nós os gafanhotos do mundo mamífero.


Sobreviventes engenhosos, vorazes, permanentemente insatisfeitos, migrando para onde há recursos valiosos, insensíveis a tudo o resto, imparáveis pelos seus números, destruidores pela sua natureza... E os gafanhotos também o são, mas em menor escala ;)


Se hoje eu me convencer que posso ser eu próprio, sem filtros sociais, constrangimentos morais ou dilemas éticos, que posso mostrar a todos o meu mais reptiliano lado, o meu âmago primal... Possivelmente seria abatido antes de chegar ao trabalho, vilipendiado à bruta ou talvez apenas internado compulsivamente - o que quer que a sociedade aceitasse melhor - mas se, por oposição, envergar a máscara do aceitável, o sorriso politicamente correcto e a linguagem verbal legalmente aplicável neste país, poderei ser louvado, apreciado pelos meus pares e inclusivamente acabar o dia com uma agradável companhia na cama, seduzida pelo meu charme de macho latino... :p


Convenhamos que a maioria de nós, dada a escolha, fará sempre a mesma - até porque a vida é demasiados curta para a vivermos sem qualidade. Se precisamos de uma máscara para ser felizes, torna-se repentinamente claro porque tantos políticos passam a vida a sorrir...


Vivam intensamente - mas não demasiado. 
Mintam pouco - mas não ao ponto de se meterem em sarilhos. 
Amem incondicionalmente - mas não se estiquem.


É esta a mensagem da sociedade humana - isto somos nós, sem tirar nem pôr, criaturas hedonistas, ociosas e, eminentemente, perfeitas ;)


Deixo-vos com um paradoxo para pensar, um quebra-mentes existencial - analisem a validade desta frase:


"Tudo o que eu digo é mentira."


Bons sonhos, meus amigos ;)





quarta-feira, 6 de abril de 2011

The Love Bug - O Amor é um bug (?) :)

Boa noite, meninas e meninos - parece que é nestas horas que eu produzo mais, por isso há que aproveitar...

Mais uma insónia patrocinada pelo actual estado de coisas, mais uma quente e fascinante noite passada de rato em riste e teclado em prontidão - e como tal, urge falar de algo que me induza uma sensação de profundo relaxamento, uma espécie de nirvana emocional e físico, um sentimento descontente...

Estava a carregar o meu iPhone, companheiro de muitas aventuras e desventuras, a sincronizá-lo com o iTunes - que os meus gostos musicais eclécticos não se compadecem de ninharias como "espaço livre na memória" - enquanto abria o Live Mail, o Facebook, o IMdb, o Gametrailers, o IGN, o Meetic, o Badoo, o Zoosk - the usual...

Enfim, uma miríade de janelas e janelinhas polulavam no meu ecrã de 24", cada uma chamando a atenção para "updates", "feeds", "newsflashes" e outros nomes esotéricos - habituado a estas lides, aguardava placidamente pelo actualizar das imagens e das mensagens, quando tive uma das minhas epifanias patenteadas, daquelas que dão direito a uma lâmpada de incandescência (mas verde, que eu sou ecológico no pensamento) a parpadear aproximadamente 15 cm acima do meu ocipital.

Num mundo tão electrónico, em que o dia-a-dia de todos nós já não dispensa algum módico de tecnologia, ter-se-á o próprio amor reduzido a uma prosaica falha de software? Um pedacinho de código hiperactivo sem Ritalin?

Em suma, será o amor um "bug"? Ou talvez um "vírus"? Um "trojan"? Quiça um "worm"?

Os "sintomas" que afectam a nossa máquina senciente parecem indicar que sim - gera comportamentos erráticos e aleatórios, espasmos involuntários físicos e mentais, manifestações públicas de nítida perturbação emocional, ausência de instintos básicos de sobrevivência - como comer e beber, perda de noção da realidade, com alucinações frequentes em que julgamos ser imortais, invencíveis ou ter uma conta bancária sem fundo e faz-nos incorrer em situações em que nunca nos imiscuiriamos se o dedinho de testa estivesse a operar normalmente...

As outras espécies animais, mono ou poligâmicas, reservam as suas energias copulativas para alturas próprias em que os seus comportamentos, digamos, aparvalhados, são perfeitamente aceitáveis e compreensíveis - já os seres humanos, quando infectados pelo bug do amor, deitam as convenções às urtigas e trazem à tona o melhor e o pior do seu código-fonte, faça chuva ou faça sol, em todas as estações do ano, sem pausa para o café.

Tal como um erro de programação de um engenheiro informático que fez tudo à matroca, o amor é o que os americanos chamam um "game-changer" - ou, como diz uma conhecida música, "love, love changes everything" - um ditado ancestral afirma ainda que "all is fair in love and war" - topem-me bem a gravidade deste estado de coisas!

Quando o nosso pobre sistema operativo está "comprometido" pelo bug, as regras mais elementares da previsibilidade e do senso-comum saem pela janela (sem asas e agarradas a uma bigorna) - temos janelas que abrem sem querermos, aplicações que fecham sem mandarmos e uma imensidão de coisas que deixaram de funcionar sem percebermos porquê - e ligar e voltar a ligar não resulta, porque o raio do botão não existe...

Para nossa infelicidade, o ser humano versão 2.0 ainda não está disponível nas lojas, pelo que temos de nos contentar com esta "release" - sem firewall, sem antivirus, sem backups, sem botão de reset e sem a mínima ideia do que está a fazer.

O amor, seja como o "vírus" que se infiltra nas nossa defesas e nos deixa de rastos, o "trojan" que entrou mascarado de amizade inocente e era afinal algo de muito mais sórdido, o "worm" que sobrecarrega os nossos sentidos com pedidos de tempo de processador que já não podemos dispensar ou o tal "bug", que nos desorienta, de forma imprevisível, e nos vira o mundo do avesso, o amor é único...

O amor é uma aventura permanente, a força mais poderosa da criação, capaz das maiores cretinices, mas simultaneamente dos mais doces momentos de candura, coragem e abnegação - o amor transforma o mundo todos os dias, sempre que alguém se apaixona, sempre que um enamorado sorri, sempre que um americano dança à chuva enquanto canta, sempre que uma cantora de burlesque o nega, do topo do seu elefante...

O amor trouxe-nos até aqui hoje, mover-nos-á para ali amanhã e acabará por nos deixar acolá quando menos o esperarmos - como convém a um código malicioso, criado com o propósito único de semear a confusão, o descontrole e criancinhas :)

Por mais vezes que o meu sistema tenha tido de ser formatado, por mais instãncias em que tive de tentar reconstruir o meu disco rígido a partir de caquinhos, por todas as ocasiões em que reconheci todos os sinais de perigo e não fiz backups... Valeu sempre a pena. Sempre.

Não trocava nenhum momento de alegre inconstância por um sistema matemático inviolável e enfadonho, em que tudo tem o seu lugar, tempo e sentido.

Um dia destes a ver se desligo a firewall, deixo de actualizar o anti-virus e relego os backups para ao pé da minha coleção de VHS - que já é tempo de voltar a sentir o vento no rosto, outra vez...

Esse dia pode ser já hoje... Mundo, estás feito :)