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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O efeito "Rebound": o ressalto da auto-estima ou um tiro no pé?

Enquanto escrevo estas linhas, baixou um nevoeiro densíssimo, daqueles dignos de filme terror, sobre Almada. Olhando pela minha janela a visibilidade reduz-se a uma mera dezena de metros, as luzes da McDonald's são vagos contornos bacientos de branco e vermelho, os carros na rua fogos-fátuos com motor e as pessoas vultos fantasmagóricos.

Neste momento, pelo menos é como eu sinto estas ocorrências atmosféricas, tudo é possível: o regresso de D. Sebastião (ainda que mumificado e sem grandes hipóteses de salvar seja o que for), uma invasão de seres de outra dimensão (como na história de Stephen King, "The Mist"), uma vingança centenária de almas penadas (como no filme "The Fog", de John Carpenter), espíritos confusos presos numa aprendizagem extra-física (como no filme "The Others") ou até o ressurgimento de uma ilha milenar, onde criaturas mitológicas habitam em harmonia com a magia e outros conhecimentos perdidos (como na lenda de "Albion", presente em contos merlinianos e demais fantasias).

Lamentavelmente, e sem qualquer desprimor para os temas acima (qualquer um deles mil vezes mais interessante que o que escolhi para o devaneio de hoje), resolvi trazer à pedra um efeito conhecido por muitos de nós, senão por todos, ainda que talvez com outros nomes: o efeito rebound (ou ressalto, em tuga).

Para os mais futebolisticamente inclinados entre vós, tratar-se-ia de uma bola que por força de algum impedimento, ressalta num defesa e volta aos pés da equipa atacante, de forma a permitir uma segunda hipótese de conversão - para os amantes encalhados, acaba por significar uma liana de salvação, alternativa bem melhor que a queda no vazio amoroso.

Quantos de nós não viveram já, em qualquer momento da nossa vida sentimental, a desilusão de um abandono, a tristeza profunda de termos sido trocados/preteridos/abandonados/esquecidos/traídos (riscar o que não se tenha aplicado, porventura) pela pessoa em cujas mãos tínhamos depositado o nosso coração frágil?

Quantos de nós não se sentiram desamparados nesse momento, emocionalmente descompensados, como se nos tivessem tirado o fôlego, o vulgar "murro no estômago", sem saber se voltaríamos a poder confiar, duvidando se alguma vez o pobre músculo cardíaco voltaria ao fulgor de outrora, pondo em causa para sempre o amor enquanto coisa belíssima e pura que sempre tinha sido para nós?

E por fim, quantos de nós ergueram muros altíssimos, barreiras à volta dos nossos sentimentos macerados e punimos indiscriminadamente todos os que não mereciam (família, amigos, colegas e nós próprios), com o nosso semblante carregado, a melancolia no olhar, a amargura nas palavras e a rispidez nos actos mais simples?

Pois bem, foi para evitar este triste estado de coisas que alguém inventou, há milhares de anos, o "rebound"; desde a altura em que o último dos Neandertais viu a sua companheira trocá-lo por um Cro-Magnon todo chique, e pensou,de lágrima no olho: "Que se lixe, já não achava piada nenhuma aquela macaca, de qualquer das formas...", ressaltando de imediato na direcção da primeira fêmea bípede que encontrou - esta  história é verídica e deu origem, nos tempos modernos, a personalidades como a Júlia Pinheiro e algumas halterofilistas de países de Leste.

Resumindo, nos dias de hoje, os homens e as mulheres desventurados buscam consolo em regaços cuja proximidade se sobrepõe, amiúde, à estabilidade emocional e aos sentimentos de continuidade e coabitação.

Em termos de sabedoria popular ocorrer-me-ia o "tudo o que vem à rede é peixe", "mais vale um pássaro na mão do que dois a voar", "a cavalo dado não se olha o dente" - tudo, portanto do mais elogioso que dar se pode; a pessoa que se segue seria comparável a um peixe, uma ave ou um equídeo - bestial...

Mas é um facto, mais que assumido, que são essas relações que impedem, pela sua natureza de substituição de objecto de afecto, pelas suas características compensatórias, que nós caiamos totalmente em nós (o que para além de ser um paradoxo, deve ser extremamente doloroso) e nos apercebamos que ficámos, oficialmente, na m***a, sem apelo nem agravo.

Infelizmente, porque tudo tem um lado mau, este esquema tem muitos senãos (pelo menos meia-dúzia, em opção ou cumulativamente):

1 - a transitoriedade tem sempre um fim, forçando-nos a encarar novamente uma despedida;

2 - a outra pessoa acaba por sair magoada por não se ter apercebido que estivemos somente a usá-la como bóia de salvação;

3 - nós acabamos por levar na tromba depois da hipótese anterior;

4 - nós acabamos por sair magoados porque a outra pessoa também nos estava a usar como bóia de salvação e entretanto descobriu o amor - noutro lado;

5 - nós não crescemos enquanto pessoas porque não demos tempo suficiente ao "luto da relação anterior" (também chamado "fossa", "depressão" ou "ensaio para suicídio");

6 - nós passamos a vida a saltitar de compromisso em compromisso, como andorinhas do mar, com medo de pousar e nunca mais voltar ao ar.

Em jeito de conclusão, acaba por ser mais um aforismo que vem à memória, "preso por ter cão, preso por não ter"... Ainda assim, muitos são os que crêem que o rebound é absolutamente necessário para repor os nossos níveis de auto-estima em valores aceitáveis, permitindo-nos posteriormente entrar numa nova relação com as feridas saradas e sem bagagens excessivamente opressivas sobre os ombrinhos, um pouco como o efeito: dor de cabeça, uma aspirina... E já se pode apreciar a vida novamente.

Por já ter estado dos dois lados desta cerca, deixo aqui um conselho: não brinquem com os sentimentos das pessoas e deixem sempre bem claro em que estado levam o coração antes de começarem a correr - ninguém quer ter mais um AVC sem pré-aviso, ok?

Fiquem bem e uma óptima semana ;)
   

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Os Dói-dóis dos Doidos: uma reflexão sobre o amor e as leis dos homens...

O amor é uma coisa estranha, um sentimento que desafia a descrição, à margem da ciência, da lógica, da razão e de todo o empirismo do mundo. Move montanhas, mobiliza exércitos, arrasa previsões e altera as nossas vidas, para o bem e para o mal - gosto de pensar nele como um corte de papel: de fora ninguém percebe porquê tanto alarido, mas nós sabemos bem o quanto está a doer (e porque tudo parece bater na ferida...).

Hoje, como é feriado, acordei a boas horas para poder reflectir sobre este e outros temas, sentindo-os ressaltar aqui no crânio à espera de uma epifania, mas sem grande sorte... Entretanto, numa abordagem marcadamente mais optimista que o habitual, pensei que por mais complicado que tenham sido os meus relacionamentos, ao menos nunca tive de os esconder do mundo - sempre pude, despudoradamente, ostentá-los, de forma a que depois os seus falhanços fossem, também, infelizmente, do conhecimento geral...

Ainda assim, e como diz a sabedoria popular, pela boca sempre sábia de um ogre verde, "Maix vale xoltar que guardar...", e quem sou eu para questionar os aforismos de uma criatura de ficção?

Daqui por dias, ou se calhar ainda hoje, que eu quando não estou a trabalhar baralho muito as datas, um governo que se diz o mais livre e democrático do mundo vai, pela 2ª vez, a votos para combater, nas suas forças armadas, a discriminação baseada na orientação sexual, sob a campanha "Don't Ask, Don't Tell" (algo como "Não Perguntes, Não contes").

Este princípio, datado de '94, proibia as autoridades militares de iniciarem qualquer investigação sobre a eventual homossexualidade de algum dos seus membros, ao mesmo tempo que proibia os militares de partilhar, admitir ou demonstrar publicamente que o fossem - agora Obama quer acabar com estas restrições, emendando o princípio para uma total descriminilização da preferência sexual.

Pode parecer uma coisa pequena, quase insignificante, pelo menos para os mais tolerantes, mas é um facto que num meio fechado, machista, sexista (apesar de já haver mulheres há umas dezenas de anos) e tradicionalmente androcêntrico, a homossexualidade é, amiúde, brutalmente reprimida e silenciada.

Vêm à memória casos de espancamentos, nos anos 80, dados como "lições" a militares da marinha americana, alguns levando a homicídios violentos, por partes de colegas de armas que se sentiram indignados pelas escolhas sexuais dos seus companheiros de camarata. Outros houve que ocorreram por razões passionais, e alguns ainda que levaram a mal a rejeição por parte de marinheiros com a mesma orientação e resolveram silenciá-los.

Quando casos como estes chegam aos ouvidos do público em geral, já os gabinetes de imprensa militares falharam há muito; há indicações que apontam para que apenas 1 em cada 100 casos sejam reportados para fora, ainda que menos de 5% resultem em mortes. Mesmo assim, cinco mortes em cada cem não deixam de transparecer uma situação preocupante, ainda que não oficialmente.

Eu gosto de pensar que, independentemente da nossa orientação sexual, somos seres humanos com opiniões, desejos, vontades, objectivos, ambições e capacidades criativas, profissionais e literárias, dignos de admiração e respeito, desde que a nossa conduta o permita. Mas não sou ingénuo ao ponto de acreditar que uma questão de fundo como a preferência de companhia íntima possa ser tão indiferente a todos como a da inclinação musical.

Imagino que alguns machos-alfa sintam os orifícios naturais ameaçados enquanto dormem, ou tomam duche, com um perigosíssimo e potencialmente bem apessoado colega na cama, ou chuveiro, do lado... Mas realmente, em que é que isso os aflige, quando se trata de confiar no homem mais próximo e as balas zunem com o nosso nome gravado, quando a nossa vida pode depender do soldado que partilha com ele a trincheira...?

Quer consigam passar a lei, (que vem dar a todos os militares americanos o direito a assumir a orientação sexual), quer não, o facto é que a discussão que levou a este ponto foi tão ou mais esclarecedora do que anos de segredos escondidos e mentiras debaixo de tapetes metafóricos. Ficou a saber-se quem era homofóbico, quem queria "sair do armário", quem achava que o exército passava bem sem alguns profissionais, e quem fugiu do serviço militar para sobreviver à humilhação - e é mesmo conversando que as coisas se tornam claras, que os consensos se encontram e que as verdades deixam de ser embaraços e passam a abraços (cuidadosos, e a uma distância cautelosa abaixo da cintura, mas abraços ainda assim...).

E o que tem toda esta verborreia a ver com paixão e amor? Tudo. 

Nos EUA, temos um governo a tentar mover montanhas processuais, mobilizando milhões numa cruzada de aceitação como não se via desde os primeiros passos do movimento feminista, no Sec. XIX, ou dos direitos civis nos anos 50-60, pela integração racial - no fundo, o amor de um homem por outro, ou de uma mulher por outra, tornou-se tão importante que teve de se fazer uma lei para se escrever, preto no branco, que já não há que ter vergonha em ser humano, independentemente de quem acorda na cama ao nosso lado.

Haverá maior prova que o amor comanda o mundo? (inserir sorriso cínico aqui) 

E de repente, em comparação, as tampas da minha vida já só parecem caricas... ;)


Village People - In the navy (version originale)
Enviado por scorpiomusic. - Veja os últimos vídeos de música em destaque.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ensaio sobre a preguiça

Este fim-de-semana foi particularmente prolífico num sem número de coisas absolutamente banais: chuva copiosa, dormir até às tantas da tarde, comer como se me preparasse para hibernar (admitidamente já faz frio...), ver bom cinema (o filme "RED", que recomendo vivamente), jogar RPG's que parecem ter sido testados pelo executivo de José Sócrates (para quem não sabe, é o equivalente a atribuir a um grupo de babuínos a responsabilidade de validar os cálculos necessários para enviar um satélite para o espaço...) e simplesmente aproveitar cada minuto do dia como se do último se tratasse (traduzido, tratar cada minuto como se fosse um dia... :) ).

Saramago, (escritor que, enquanto português, era um excelente espanhol), rabiscou há uns anos uma prosa rebuscada e altamente alegórica / metafórica / estúpida (riscar o que vos aprouver) sobre uma maleita que afectava gradualmente todo o mundo, uma cegueira branca (em vez da negra, mais comum) - uma "obra", chamemos-lhe assim, (se um pontapé do Hulk com uma biqueira de aço na área testicular também o for), capaz de deixar o leitor de rastos, tal é a sua crueza e o tom absolutamente sombrio com que pinta uma humanidade que, desprovida da visão, decai para o mais abissal animalismo - no fundo, e apesar de haver uma única pessoa imune à doença, o seu destino é tão mais aterrador que o dos sobreviventes - contemplar os últimos dias da humanidade.

Falei-vos sobre isto por várias razões: primeiro porque o título do post parecia indicar alguma correlação, mas ela não existe; segundo porque nunca gostei de Saramago, da sua arrogância insuportável, do espúrio constante a tudo o que é português, e muito menos dos méritos literários que, a existirem, eram certamente tão polémicos quantos os seus escritos - aliás, tremo em pensar que depois de terem assassinado Camões nas escolas, atravessado pela pena tísica de Pessoa - no seu olho bom, o cobarde -, o destino do esquizofrénico do Nicola venha agora a ser o mesmo, com um Nobel da Literatura enfiado pela têmpora pelo "novo" génio da língua; em terceiro e último lugar, dado o blog ser meu, posso dar o título que quiser e gostei deste, pura e simplesmente.

E isto é relevante porque...?

Simples, porque fui hoje questionado por que razão andava a escrever menos, a deixar a indolência tomar conta dos meus dedos (das mãos, que os dos pés são constantemente utilizados para manter o equilíbrio enquanto me locomovo), e porque tinha deixado também de desenhar, pintar, cantar profissionalmente (esta última ainda é mais fácil de explicar, porque sou envergonhado, ainda que a minha voz seja absolutamente fantástica no duche), em resumo, ignorando todos os talentos dados pelo Criador (neste caso dois, papá e mamã).

Comecei a remoer, desliguei o jogo que ultimamente já me roubou umas boas 60 horas, (ok, ele crashou pela enésima vez, mas o resultado final foi o mesmo...) e comecei a tarefa laboriosa de abrir o editor de texto do blog para deixar aqui estas letrinhas. Admitidamente, e porque não me considero, de todo, tão especial como por vezes me pintam, as razões eludem-me amiúde, mas resolvi vir experimentar a musa...

E realmente, olhando para o meu umbigo, o que faço com imensa frequência, cheguei à conclusão de que a preguiça, mais do que um pecado capital, é um direito fundamental.

É um pequeno demónio dentro de nós, aquela vozinha que nos diz "faz amanhã, descansa agora", a que nos faz procrastinar constantemente as coisas inadiáveis, que nos rouba a energia como um governo socialista, que nos deixa de tal forma esgotados que o simples facto de pensar em fazer algo nos remete, de imediato, ao mais profundo estupor, boca à banda, fiozinho de saliva a escorrer e um olhar baço, de quem estava a contar com o FMI, de aríete em punho, pela porta de casa à dentro...

Mas, simultaneamente, é uma das bases do hedonismo, uma das mais puras expressões de todos os seres vivos, a do repouso, da inacção, do simples desfrute do tempo que temos nesta terra como algo de divino, demasiado valioso para se desperdiçar em coisas efémeras, corridas loucas e preocupações que os dias se encarregarão de pôr no seu devido lugar...



Posso garantir-vos que, apesar de eventuais semelhanças, não possuo a totalidade dos traços que tornam a "Preguiça de 3 Dedos do Amazonas" num animal que sabe retirar da vida o que realmente importa. Lamentavelmente não consigo reduzir os meus batimentos cardíacos a 4 por minuto (e continuar vivo e consciente, entenda-se...), não sou capaz de estar meia hora debaixo de água sem respirar (pronto, sou, mas só uma vez...) nem acabar de comer uma maçã quando o caroço já floriu, mas pronto, no resto tento seguir-lhe fielmente o exemplo...

Porque mais do que um mero exemplar do reino animal, ser preguiça é um estado de espírito, uma filosofia de vida, uma forma única de encarar os desafios que a sociedade nos propõe - ser preguiça é ser tuga, no fundo.

É ver um governo atrás do outro encher os bolsos e o bandulhos e não fazer nada, é ser diariamente confrontado com injustiças aberrantes (que ninguém pode negar mas que fazer?), tribunais com obesidade mórbida (mas que não deixam que os operem), e ser roubado todo o santo dia em tudo menos no ar que se respira (e é deixá-los descobrir uma maneira de o fazer e...), é perguntar aos conhecidos "como vais?" e ouvir o sempre clássico "vou andando...", e continuarmos nós próprios a andar sem esperar pela resposta, não vá o infeliz mudar o guião e obrigar-nos a despender tempo da nossa preguiça para o ouvir...

No fundo, aqui no meu cadeirão das ideias, onde passei mais horas do que as recomendadas pelo fabricante, mais não tenho feito que ser o português perfeito, o que cala e consente, o que até protesta mas mais não faz do que resmungar e agitar os punhos aos deuses irados, o que acha que greves servem algo mais do que os interesses de quem manda; "pão e circo" diziam os romanos, "vinho e bola" dizia Salazar, e é só disso que os lusos precisam para andar entretidos, de cabeça baixa, como convém com o peso da canga - aliás, tão baixa que nem a canga vêem, tão triste é este estado de animal de carga, que uma vez terminada a vida na lavoura acaba no prato, abatido sem sequer uma palavra de agradecimento.

Para os que me julguem comunista, marxista-leninista, ou até nacionalista, neo-nazi ou coisa que o valha, desenganem-se; não sou uma doutrina, nem um anarca desorientado que acha que todo o poder oprime, não sou uma categoria fácil em olhos de censores, não dou o flanco sem investir e não dou ponto sem nó.

Sou apenas um português, um filho de pais que tudo fizeram para que eu hoje tivesse este direito, este lugar, e este tempo para me fazer ouvir, para fazer uma diferença na vida de cada um que me lê, da existência de cada um que me ouve, ou de, no mínimo dos mínimos, acender uma centelha, uma fagulha de esperança e vontade de tornar este país em algo de grandioso, e não na grandecíssima piada que hoje é, em que o "jogo-do-empurra" se tornou a expressão máxima da arte, em que ninguém tem culpa do actual estado de coisas senão quem veio antes de nós e, como tal, resta a quem pode roubar enquanto dá, e a quem trabalha, pagar enquanto respira.

Levantei-me agora, e escrevo estas palavras de pé, como um homem, sem uma canga sobre os meus ombros, sem talas nos meus olhos e sem vergonha de assumir o fardo de ser português.

Vou ser tudo o que puder ser, e fazer da minha vida algo digno de ser lembrado, algo capaz de erguer outros, algo que nem "eles" consigam calar.

Mas amanhã, que agora vou dormir, às 7 toca o despertador e se eu não for trabalhar não há dinheiro para obras públicas, saúde, educação, saneamento ou investigação. Não há solidariedade social nem reabilitação. Não há preguiça que sobreviva à necessidade de sobrevivência.

Mas há tempo para tudo. Experimentem e vão ver. :)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O rato e o taliban: uma história verdadeira?

Pessoal, é com algum júbilo, e um muito ligeiro regozijo, que vos lanço mais um post extremamente polémico, envolvendo situações tão graves como ódio racial, guerras além-fronteiras, forças militares, religião, jogos de vídeo, sentimentos de justiça, vingança, marketing agressivo e jornalismo mediático.

Venho falar-vos de um jogo que, ainda mesmo antes de ser lançado, já se encontrava sob fogo-cruzado de várias linhas inimigas (o que não deixa de ser irónico, dado ser um jogo de guerra...): os conservadores moralistas, que alegavam que a editora estava a desrespeitar a memória dos combatentes, um ex-advogado caído em desgraça que bradava a quem o quisesse ouvir que era uma ferramenta de estudo para matar americanos, e os próprios militares, que, levados pela polémica, proibiram a venda do jogo em todas as suas bases (mais de 300).

O jogo em causa chama-se "Medal of Honor" (MoH), um "First-Person-Shooter" (FPS) passado no Afeganistão nos tempos actuais, editado pela Electronic Arts (EA) e criado pela Danger Close, e foi posto à venda há 2 semanas para PC, Playstation 3, XBOX 360 e Wii - até aqui, nada de extraordinário.

Trata-se de um "reboot" de um franchise com mais de 10 anos, que sempre enveredara pelos terrenos mais familiares - e bem menos polémicos - da 2ª Grande Guerra, mas que recentemente tinha vindo a perder fulgor, num mercado cada vez mais saturado de FPS's de excelente qualidade, bem como da concorrência mais que directa da série "Call of Duty: Modern Warfare", da rival Activision, e criada pela Infinity Ward (IW).

Foi aliás esta outra série que mostrou o caminho à EA, "forçando-a" a enveredar por cenários mais recentes, menos trilhados até à data e com maior facilidade de empatia por parte dos jogadores mais novos, para quem a 2ª GG era de facto tão estranha como a ideia da televisão alguma vez ter sido a preto-e-branco...

Resultado, e para isto não se tornar uma análise de jogos, o novo MoH tentou, de alguma forma, recriar, (como era tradição na série, com fidelidade), os cenários de guerra, as relações de camaradagem entre os soldados, a sensação de perigo iminente e a constante dependência do trabalho de equipa, para sobreviver num ambiente francamente hostil aos soldados americanos.

A polémica gerou-se quando veio a lume o cenário escolhido: um conflito demasiado fresco na memória de muitos americanos e britânicos que perderam familiares no Afeganistão - um conflito que continua, aliás, a grassar, ainda quem em menor escala - e a possibilidade de jogar do lado dos Talibans, ainda que só em multi-jogador e nunca na única campanha de jogo.  

O mais estranho é que posso afiançar, tendo já jogado a totalidade da campanha a solo, que o jogo retrata os Talibans, quanto muito, como carne-para-canhão, servidos em doses industriais para amparar as nossas (muitas) munições e sem quaisquer traços simpatéticos de personalidade. Como guerrilheiros que são, aparecem retratados no trailer abaixo como inimigos cheios de recursos mas, tal como no imaginário americano, essa realidade cede lugar a adversários sem rosto, inteligência ou engenho - ou seja, eu só compreenderia se fossem os Talibans a queixar-se do tratamento neste jogo...



Um homem que vive de, e para, a mediatização das suas palavras, Jack Thompson, um antigo advogado de Los Angeles, (presentemente destituído da cédula por processos de corrupção e acusado de crimes de apropriação indevida de dinheiros públicos), auto-intitulou-se defensor da segurança dos soldados aliados em todo o mundo e resolveu fazer uma campanha viral intensíssima contra a EA e o "franchise" MoH - foi visto em vários canais a exacerbar os perigos (imaginados) dos Talibans terem acesso ao jogo e aprenderem a matar Americanos, ilustrando os seus devaneios com trailers do mesmo, bem como algumas imagens que mostravam jogadores a envergar o manto dos Taliban(!!!!) - até consigo imaginar os Gato fedorento a fazer um sketch sobre isto...

O cenário: atrás de um muro delapidado por balas, uma torrente de chumbo calibre 7,62 a esculpir os pedregulhos até se tornarem pandoras, e dois Talibans (podem ser o Ricardo e o Zé Diogo...) todos acagaçados, sem armas, mas de teclado numa mão e rato na outra, em frente um ecrã cheio de pó...
"Ópá, mata-os de uma vez, Aziz, assim não vamos lá!" ao que o outro responde "Rashid, já te disse mil vezes, no jogo eles levantam sempre a cabecinha para eu lhes acertar e quando morro volto a aparecer passado uns segundos, aqui não!!"

Aliás, segundo me lembro, brincar aos índios e aos cowboys ("uiiii, aiiii, cowboys...") ou aos polícias e ladrões, sempre teve um lugar muito presente nas tardes de verão de muito boas famílias com crianças em idade escolar, e nunca nenhum mal veio ao mundo por um fazer de cumpridor da lei e o outro de gatuno, mas enfim, com tanta modernice, se calhar um dia já nem a isso se pode galhofar com os amigos...

Todavia, (in)explicavelmente, não foi assim que o público em geral interpretou as palavras do Sr. Thompson, e não demorou muito a que os media menos informados transformassem o que seria digno de ridículo em merecedor de primeira página.

Estas e outras imagens caíram no goto do sempre-sedento-de-sangue espectador americano, levando à emergência de um frenesim de acusações contra a editora e o próprio estúdio, vilipendiando-os de "terroristas", "irresponsáveis", "insensíveis" e até "oportunistas sem alma" - basicamente, americanos médios a comportarem-se como americanos básicos.

Certo é que, com tanta polémica, a editora achou por bem alterar a designação da segunda facção "multiplayer", de "Taliban" para "Opposing Force", mas nem isso fez com que os organismos militares americanos, (globalmente reconhecidos como extremamente tolerantes e abertos a reconhecer erros), voltassem a permitir a venda dos jogos em todas as bases espalhadas um pouco por esse planeta fora - mais uma vitória para os QI's de 1 dígito, portanto...

Ainda assim, e para gáudio da liberdade de expressão e do direito à escolha dos jogadores, até à data de hoje, o jogo regista já 1,5 milhões de exemplares vendidos, e sem tendência para diminuir nas próximas semanas, classificando-se inequivocamente como um estrondoso sucesso que nem um profeta da desgraça, nem altas patentes da cretinice conseguiram abafar...

Para concluir, que nem todos os meus posts têm de ser testamentos, (só a maioria :) ), não houve nenhuma consequência nefasta de tanta celeuma, ajudando apenas a estabelecer os pusilânimes ignaros do costume versus os liberalistas new-age - em tuga, quem já era nhurro, mais ficou, quem não era... Está a ler este blog ;)

Fiquem bem e uma óptima noite :p



  

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A vida é curta, alegadamente... Então, o que fazer enquanto dura?

Primeiro post de um novo blog, quem diria...

Realmente, é uma ocasião que se quer solene, e que carece de um enquadramento especial, de forma a não desvirtuar toda a envolvente da situação - por outras palavras, umas patacoadas soltas num mundo virtual, o equivalente a uma ramela de pulgão a cair de chapão num mar revolto :)

Para quem aqui veio parar por acidente, inocentemente a "googlar" "Gato Fedorento", vídeos engraçados com gatinhos - vocês sabem quem são, seus pervertidos... - ou até donos preocupados de felinos da raça esfinge à beira de uma pneumonia, lamento informar que, até ver, só existe um domínio registado em toda a net com este nome - o meu.

Apesar do trocadilho fácil com os "notáveis títeres nacionais" (palavras dos Gatos, não minhas...), facto é que este título se deve mais uma cópula inusitada entre o meu sentido de humor cáustico - e ácido ao mesmo tempo-, e o meu termostato avariado de há longos anos, que me faz desprezar o calor mais gritantemente intenso mas, paradoxalmente, espirrar convulsivamente assim que uma janela é aberta do outro lado do mundo - resumindo, não é plágio nem apropriação ilegítima com fins publicitários - só uma graçola :)

Para todos os que não me conhecem - ou seja, todos os que não vieram aqui parar por convite - o meu blog anterior chamava-se "S. Jorge da Murganhanha" e, recentemente, viu as suas portas "fecharem" quando a Microsoft, do alto da sua cabecinha multi-bilionária, resolveu entregar a gestão do seu Windows Live Spaces a um renomado site de blogs, a Wordpress - resultado, apesar das boas intenções, as minhas formatações nervosas e os esquemas de cores daltónicos foram atropelados como um ouriço numa concentração de camiões-tir - anos de escrita incoerente e de difícil leitura viram-se transformados numa apresentação estéril, ainda que altamente funcional e de inegável bom gosto estético - obrigado, Microsoft, mas eu gostava de como estava antes...

Assim, como todo o ser humano com muito bom fundo, e que só se move por motivos altruístas, tratei de me vingar - numa viela escura, à luz de faróis de carros de alta cilindrada, rodeado por indivíduos aparentados de neandertais cruzados com frigoríficos, fiz um pacto com a outra senhora da net, a Google - assinei um acordo, (a sangue, como convém nestas coisas taumatúrgicas), pacto renovado anualmente por uma soma que não posso revelar sem perder a minha alma imortal, e registei este domínio!!!! Muahahahahaha! (isto era um riso maléfico e soou muitíssimo melhor na minha cabeça do que aqui, sorry...).

Voltando ao tema do blog, todos os meus posts anteriores estão disponíveis para consulta no acima mencionado link da Wordpress, pelo que resolvi aproveitar este novo começo para fazer algo completamente diferente - ruminar exaustivamente sobre nada em peculiar e ver se conseguia alienar futuros leitores antes mesmo de chegar ao tema do blog :)

Assim, se ainda está a ler, benvindo ao meu novo local de devaneio :)

O tema de hoje prende-se com a velocidade a que a vida nos empurra, inexoravelmente, na direcção nada apetecível do senhor da gadanha, por mais que gostemos da monda, da ceifa e de todos os afazeres da terra - afinal, por piores que as coisas estejam, acreditamos que haverá sempre tempo de dar a volta ao resultado, e isso leva-nos a procrastinar, muita vezes indefinidamente, tudo na nossa vida... 

Mesmo os mais esforçados de nós, e refiro-me sobretudo a pessoas que não dispensam preciosos segundos a ler coisas parvas como estas, que procuram desesperadamente manter-se ocupados, organizando o seu dia como se fossem formigas a jacto ou abelhinhas sob o efeito de cafeína, mesmo esses descobrem que as 24 horas fornecidas todos os dias sabem a pouco, teimando em reservar um terço delas para o merecido repouso, e o restante dividido entre trabalho (oh palavra cruel...), refeições (sim que mesmo os preguiçosos têm fome de quando em vez...) e, finalmente, as extra curriculares, ou seja, tudo o que lhes dá gozo: desporto, saídas em grupo, amigos, namoradas, namorados, cinema, leitura, pintura, danças de salão, karaoke, videojogos...

O tempo é, de facto, pouco, quando teimamos em preenchê-lo como se de uma mala de viagem se tratasse - desde que não se exceda o limite de peso, a tentação de muito boa gente - e de alguma muito má, mas isso agora não vem ao caso - é de utilizar cada compartimento da dita mala até ao último centimetrozinho, como se um pouco de ar significasse vida desperdiçada.

Quando nos apercebemos que de facto estivemos a viver demasiado depressa na ânsia de experienciar tudo o que a vida tinha, teoricamente, para nos oferecer, pode ter sido já inevitavelmente tarde para meter travões a fundo - restando apenas o consolo de que alguns bons momentos existiram, documentados por fotos divertidas - ou nem tanto -, ímanes de frigorífico adquiridos em locais remotos, autocolantes nas malas gastas de tantos tapetes de aeroporto, um conjunto vário de mazelas e luxações ganho em disputas de objectos pueris - como bolas de variados tamanhos - e uma agenda repleta de nomes de companhias de que já nem a foto anexa nos ajuda a recordar...

Da mesma forma que é fácil cair no exagero da sobre-ocupação dos tempos livres, não é menos tentador o chamamento do ócio, o "dolce fare niente", um hedonismo virado apenas para o relax :)



Pela minha parte, ninguém me acusará, quando a hora final chegar, de ter sido um inconsciente num carrinho de esferas, rolando por uma ladeira íngreme, quase vertical, tentando ultrapassar a velocidade do som... Nem mesmo um kart com travões de disco e a arrastar um sofá... Aliás, nem sequer a andar pausadamente pela dita descida abrupta... Eu terei sido o tipo que viu todos os outros a viver a sua vida a 300 batimentos por minuto enquanto eu procurava a minha pulsação para confirmar se ainda vivia...

Admitidamente, poderia fazer mais com as minhas horas, mas o conforto puxa por mim como uma traça à luz, com todas as coisas boas e más que isso implica; desde pequeno que passo horas infindas a ler, a ver televisão - admitidamente quase não vejo hoje -, a jogar no meu velhinho Timex 2048, depois no Commodore Amiga 500, avançando finalmente para o PC - o meu primeiro "maquinão", um fantástico 486 SLC-2 50, da Cyrix, comprado na Makro :) - até ao bicharoco de silício em que hoje escrevo estas letras, sem esquecer a PS3 e a XBOX 360 que ganham pó na sala...

Resumindo e concluindo, passo horas em mundos virtuais, para mim mais aliciantes que qualquer coisas que o mundo real me possa oferecer - tirando, naturalmente os relacionamento interpessoais, claro está... :) - e não me posso queixar dos resultados - já conquistei galáxias inteiras, destronei reis e déspotas, fiz cair governos na ponta de uma espada, fui herói e vilão de incontáveis sagas, salvei donzelas e aniquilei milhões, já fui surpreendido por momentos dramáticos, já me emocionei com pequenas coisas, já vivi mil vidas e revivi-as mil vezes, tomando decisões diferentes, voltando atrás e experimentando outros caminhos, já me ri sozinho e já dei comigo de lágrimas nos olhos quando um desfecho esperado me apanhava desprevenido...

Por mais rios de tinta que façam correr, os videojogos são uma forma de entretenimento tão legítima quanto qualquer outra, com a vantagem da interactividade, e nunca serão responsáveis, por si só, pela violência, a delinquência juvenil, homicídios rituais e assassinatos em massa - parafraseando uma expressão coloquial, a gota de água que faz transbordar o copo não carrega com ela toda a água que já o tinha enchido.

As pessoas são, em primeira e última análise, responsáveis pelos seus actos, e pelos de mais ninguém - um dos grandes problemas da nossa sociedade, que se diz moderna e civilizada, é a facilidade com sacode a água do capote, enjeitando culpas e apontando dedos fáceis, de forma a evitar confissões de culpa. Quantas vezes ouvimos notícias bombásticas associando os jogos de vídeo a acções violentas? Alguns estudos mostraram, inclusivamente, que em determinadas idades - entre os 6 e os 12 anos - o grau de agressividade, após jogar mais de 1 hora seguida, um qualquer jogo violento, aumenta enormemente - mas é exactamente nessas idades que a presença dos pais se faz mais necessária, que o dirimir de responsabilidades numa consola se torna um erro crasso, como a geração anterior tinha feito com a televisão...



As tais pessoas que preenchem os seu dias com a intensidade de cão de caça atrás da pobre raposa, deixam de ter tempo para essas e outras pequenas coisas: acompanhar os filhos, saber o que fazem nos tempos livres, o que jogam, se jogam coisas adequadas à sua idade, se precisam de ajuda para compreender o que jogam... É de facto muito mais fácil comprar-lhes o jogo pedido e deixá-los à sua sorte - afinal de contas, se isso despoletar nele um episódio de epilepsia fotossensível ou o encorajar a matar um colega de escola, naturalmente que os pais não o podiam antecipar, não terão tido qualquer responsabilidade e o bode expiatório será sempre o alvo mais sedutor...

Não há-de ser a primeira nem a última vez que interpelo pais na FNAC ou na Worten prestes a comprar um qualquer Grand Theft Auto ou Manhunt para o seu filho - "Reparou na idade recomendada?", pergunto muitas vezes...

A resposta geralmente é "Nem sabia que tinha, o miúdo só fala nisto há que tempos, os amigos todos já têm...", sem falar nos que me respondem, e com alguma propriedade "Meta-se na sua vida!".

Só me lembro de uma vez um pai ter voltado a por o jogo na prateleira e ter levado o filho ao corredor dos jogos para crianças... Mas isto é o meu optimismo a falar, se calhar voltou ao inicial assim que voltei costas - afinal de contas, é tão mais fácil calar uma criança com um "sim" que com um "não"...

Enfim, isto tudo dito pelo tipo que não quer ter filhos... Se calhar porque sei que ser pai é mais do que tê-los, é criá-los, acompanhá-los, apoiá-los e entendê-los - isso sim, era uma trabalheira, já bem me bastam os gatos... :)

Como já se faz tarde, e isto pede uma conclusão, aqui fica a dita: joguem mais, divirtam-se muito e lembrem-se que por vezes, só por vezes, excelentes horas da vossa vida podem ser passadas de rato e teclado em riste :)

Beijos e abraços. Fiquem bem ;p