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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Crise da Vergonha, e a Vergonha da Crise...

Meus amigos, neste último post de 2011 queria deixar-vos uma mensagem especial.

Mais um ciclo que se fecha, terminando um gregoriano ritual de 365 singelos dias, em que milhões respiraram um derradeiro sopro, enquanto quase o dobro abriu os olhos pela primeira vez, vidas ligaram-se, soltaram-se, perderam-se, criaram-se, justificaram-se e desperdiçaram-se sem razão nem rima aparente.

Porque a grande roda do karma não carece de fundamentos, apenas pensamentos - acções geram reacções, outras acções criam erecções, e outras ainda fazem apenas correr tinta. 

Cada vez mais virados para o nosso pequeno universo, entupidos de contra-informação e desinformação, habilmente tecidas para nos ocultar o principal, somos vítimas silenciosas - e mais grave, voluntárias - de uma complexa teia de enganos, urdida com perícia, desviando os nossos olhares quando tentamos ver o que pára atrás da cortina dourada, lavando-nos o juízo com reality shows, celebridades vacuosas e artes circenses dignas mais de Circe que de circo - um dias destes ainda daremos connosco transformados em alheios porcos, inconscientes para o destino certo que nos aguarda, felizes na pocilga até à chegada anunciada do açougueiro... 

Porque rios de tinta já correram sob a pena da crise, porque crânios bem apessoados, recheados com cérebros eminentes, já opinaram sobre tudo e mais alguma coisa, desde arautos da desgraça a velhos do Restelo, desde marketeers sorridentes a políticos mentirosos, todo o tuga e o seu cão tiveram uma palavra a dar, e uma certeza pessoal e intransmissível sobre o rumo que o país leva, e as razões que nos puseram neste caminho.

Não sou mais do que ninguém, mas também não serei menos, pelo que tenho também umas ideias a partilhar, uns pensamentos para debitar, convosco.

A crise, tal como tem sido veiculada, não existe. 

Nunca existiu propriamente, ainda que os seus efeitos se façam sentir, com maior ou menor repercussão, em todos os estratos da sociedade - naturalmente que esses mesmos efeitos são do mais negativo que há para quem já pouco tinha, e extremamente animadores para quem nunca deixou de ter muitíssimo.

O dinheiro e o seu valor, os mercados e os seus indicadores, os índices e os seus operadores, as agências de rating e os sues manipuladores, nada disso mudou, nada disso sofreu uma iota com os acontecimentos dos últimos anos. 

O dinheiro é o mesmo de sempre. Não há hoje nem mais nem menos do que havia. Os governos valem o mesmo que sempre valeram, e os seus governantes continuam a ser as criaturas demagógicas e egoístas que sempre  foram. Os partidos permanecem como Janus, o deus de duas caras, a dizer uma coisa e a fazer outra, não importando quem está no poder - uma mão sempre lavando a outra, e as duas lavando o rosto de estados que, de direito, só terão o nome.

Enquanto a bolha do imobiliário estoirava do outro lado do Atlântico, algumas centenas lucraram com isso. As mesmas que lucraram, e ainda lucram, com o 11 de Setembro. As mesmas que fomentam guerras e de seguida incitam à paz. As que derrubam governos, para terem onde colocar quem lhes defenda os interesses. As que controlam organizações humanitárias onde o dinheiro da venda de droga, armas e tráfico humano é branqueado, e de onde os donativos e alimentos recolhidos são depois entregues a guerrilhas, que os venderão às populações que cada um de nós, cidadãos solidários, pensou estar a ajudar com o pouco que pôde dispensar.

Os presidentes mudam e mudam-se, os ministros saem e entram, deputados votam e abstêm-se, juízes formam-se e reformam-se, representantes oficiais unem-se e corrompem-se, forças de segurança compram-se e vendem-se, mas o dinheiro, meus amigos, esse continua o mesmo.

Se crise há, se crise existe, é da vergonha, da honra e da palavra dada.

Lembram-se de quando dizer "palavra de honra" era um vínculo sério? Quando um "acordo de cavalheiros" era algo selado com sangue? Quando um "pela minha alma, pela minha saúde e a dos meus filhos" só se proferia quando realmente se dizia a verdade?

Eu não tenho a certeza, nem me lembro quando, mas sei que ainda vi gente assim. Gente simples, gente rude muitas vezes, mas gente verdadeira. Portugueses com rugas no rosto, mas com uma consciência sem mácula. Homens e mulheres que, em meio ao rigor das suas vidas, não deixaram que a sociedade do facilitismo, do compadrio, e da cunha fácil os toldasse, os tornasse ímpios, pobres de espírito e ricos em coisas vãs.

Portugueses que sabiam que as coisas importantes na vida se conquistam com o suor do nosso rosto, e não com o dos outros. 

Portugueses que levaram uma vida inteira a juntar para depois o seu país os roubar, que criaram famílias numerosas com dificuldades que hoje só imaginamos, sem apoios pedagógicos, medicação para hiper-actividade, alimentação equilibrada, actividades extra-curriculares ou recompensas por todo e qualquer mérito.

Portugueses que trabalhavam de sol a sol, que pagavam uma casa arrendada - que comprar era para ricos -, que não tinham medo de dizer "não" aos filhos, que não tinham depressões, nem esgotamentos, nem stress, não porque não tivessem sido inventados, mas apenas porque não tinham tempo para isso.

O tempo era pouco para a família, mas quando existia não era partilhado com caixas que falavam  e davam luz. Quando festas havia, todos as tornavam realidade. Quando os amigos se juntavam era na mesma sala, e não no mesmo chat. Quando os amores se inflamavam era na mesma rua, e não no Facebook. E quando gostavam mesmo de alguma coisa que viam, daquelas que valia a pena guardar, sacavam de uma bela duma Kodak, ou de uma Polaroid, e tiravam uma foto.

Uma foto! Sabem o que era? Vinha em papel brilhante, ou mate, e guardava-se em álbuns. Os casamentos lembravam-se assim, de lágrima ao canto do olho, a prima Joana, como era bonita, ou a tia Magda, como era velha e rabugenta, o feliz casalinho, como estava lindo nesse dia...

Não foi assim há tanto tempo. Porque ainda é agora esse tempo. Mas a sociedade sobrepôs tudo, a uma velocidade tal que já não há tempo para respirar. Para absorver. Para deixar a vida correr para nós, e não por nós. 

Deixámos de ter tempo para os outros. Para os nossos. Para o nosso coração. O umbigo, por melhor que pareça depois de tanto tempo no ginásio, não é um órgão essencial. Convenhamos, nem sequer é um órgão - é apenas uma lembrança de nove meses em que nem sequer tivemos de respirar ou comer, de um tempo em que o mais importante da nossa vida éramos nós.

Mas mesmo nessa altura o nosso umbigo trazia-nos tudo porque alguém zelava por nós. Porque decidiram pensar em algo mais que eles próprios. Porque decidiram que a vida só se pode dar como vivida quando se arrisca. Quando se dá o melhor de nós numa causa que pode ser perdida. Quando só baixamos os braços porque já não os temos, e mesmo assim nem aí. Quando acreditamos que "desistir" é o que se faz quando se esquece que isso nunca foi uma opção.

Ser português é tudo isto e muito mais. 

É gostar de fado e bola, de novelas e história de faca e alguidar, de almoçaradas e jantaradas, de praia e roupa curta, de mexericos e escândalos, de amigos e família - mas é também deixarmo-nos dormir na forma, dar a quem não merece o nosso destino, e cruzar os braços quando a democracia falha.

Ser português é ter pelo na venta mas também é ser cortês, é buzinar nas estradas mas também é cortar mato para deixar uma ambulância passar, é reclamar nas filas, mas também é dar a vez a uma mulher com outra vida dentro, é arrotar bem alto mas também é elogiar quem cozinha como a nossa mãe, é mandar piropos do alto de um andaime mas também é escrever cartas de amor, por mais ridículas que elas sejam.

É uma greve quando o dia roubado nos vai custar no fim do mês, mas também é deixar de ter fins-de-semana quando ajudamos quem mais precisa, é ser senhor de uma vontade de descobrir mundos, mas também ser capaz de nunca sair do seu jardim.

Desde D. Afonso Henriques que o nosso país - na altura bem longe disso - é uma amálgama cultural, social e económica, em que ter pouco se tornou um estilo de vida viável, e em que o "desenrasca" e o "vamos ver se dá" se tornaram filosofias zen, seguidas escrupulosamente por quase 10 milhões hoje em dia.

Descobrimos um mundo inteiro, provámos que a Terra era redonda, demos nomes a lugares distantes, criámos um país de irmãos alegres - mas pobres também, que isto é genético - encantámos o planeta com génios de bola e vozes de sempre, temos uma gastronomia globalmente reconhecida e dos melhores vinhos de todos os continentes, desfrutamos hoje de avanços tecnológicos fenomenais e uma das melhores educações que o dinheiro (não) pode comprar, um exército altamente capaz e forças de segurança equipadas para tudo.

Resumindo, quando queremos isto resulta - é preciso é querer.

E crises? Crises, meus amigos, comêmo-las ao pequeno-almoço desde antes do tempo do Menino Jesus. 

São o pão nosso de cada dia. Vencêmo-las todas. Todas.

Na despedida deixo-vos uma história da História: 

Neste nosso canto de terra e sal, reza a lenda que o nosso primeiro líder era pastor e caçador, reconhecido pelos romanos como um líder astuto e decidido - tão poderoso que só corrompendo três dos seus conselheiros conseguiram matá-lo, e mesmo assim durante o sono.

Viriato é reconhecido, não só como um grande homem, que se guiou pelos padrões de honra e honestidade dos maiores heróis clássicos, como uma pessoa simples, de trato justo, palavras ponderadas e incapaz de ceder à privação da liberdade com que nascera.

Disseram os romanos da Lusitânia desta altura, erguida entre Douro e Mondego, e expandida além fronteiras:

 "A mais poderosa das nações da Península Ibérica, a que, entre todas, por mais tempo deteve as armas romanas".

Detivemos o maior exército da história. Vencêmo-los com engenho e coragem. Com sangue, suor e lágrimas empurrámo-los para lá das nossas linhas. 

Porque nunca deixámos de acreditar. Porque éramos Lusos. Porque fomos tugas. Porque somos Portugueses.

Feliz 2012. Façam por isso, meus amigos.




3 comentários:

  1. Que melhor forma de terminar o ano do que com um dos teus brilhantes posts, daqueles que dão para pensar?!

    Na semana passada uma marca de refrigerantes resolveu inundar-nos com as razões para acreditar num Mundo melhor, muito apropriado para a quadra natalícia/início de um novo ano, polvilhada com frases, imagens e banda sonora a condizer (http://www.youtube.com/watch?v=oOoJNcSuK_c&feature=youtu.be). Mas rapidamente se levantaram vozes contra aquilo que entendem que é esconder a verdade, e a resposta não se fez esperar (http://www.youtube.com/watch?v=oHZleiO1BY0&feature=youtu.be).

    Anúncios aparte, será mais fácil para alguns permanecerem na bolha que os impede de ver o Mundo real. Outros há que, com alguma clareza e lucidez, denunciam a hipocrisia dos líderes políticos e demais entidades com poder de decisão e de influência.

    A crise económico-financeira nos EUA em 2008 contaminou os mercados europeus, veio revelar a fragilidade do Velho Continente e pôr em causa a democracia e independência dos próprios Estados. São as reacções em cadeia que poderiam, e deveriam, ter sido travadas. Mas quando somos governados por líderes mundiais que sofrem muitas vezes de um autismo que os leva a alhearem-se do mundo exterior, que apenas olham para o seu umbigo e se focam em interesses que beneficiam uma minoria, o resultado é este mesmo. Toda a turbulência teve efeitos que ainda se fazem sentir, sem que exista ideia concreta de quando será ultrapassada.

    São as visões esclarecidas e as vozes inconformadas de pessoas com convicções que me fazem acreditar que a dormência da sociedade (que leva amiúde à própria demência generalizada) terá um dia um fim. Ou, pelo menos, creio que as grandes mentes farão com que se questione a pobreza de espírito, a crise de valores, a miséria mascarada.

    Claro que podemos (voltar a) ser um país melhor, com uma importância indiscutivelmente maior. Basta que para isso não escolhamos o caminho mais cómodo, intervenhamos e acreditemos.

    Beijinhos e Feliz 2012!
    J.Ro.

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  2. Gostei de forma geral do post, na linha do juntos irmão e camarada, cantemos, lutemos e venceremos. O Povo unido jamais será vencido.
    Ora, como muito bem tu e eu sabemos, é que este Povo tem sido vencido ao longo da história, interrompido por catarses pontuais, algumas delas bem sangrentas, mas que depois o "status quo" se reposiciona novamente.

    Actualmente vivemos numa sociedade cada vez mais egoísta, onde as pessoas trabalham só para si, almejando os seus "quinze minutos de fama", seja na sua empresa ou na televisão.
    Por outro lado quem beneficia do "sistema" essa coisa que ninguém sabem muito bem o que é, não vai abdicar facilmente.
    Ou seja, as manifestações contra o sistema, que vão ser cada mais em número e em gente, são importantes para manifestar o desagrado e o descontentamento. Só que o resultado é quase igual a que toda essa gente se juntasse e fizessem figas.

    Dessa forma caminhamos para terrenos perigosos e podemos estar à beira de uma catarse social, política e económico/financeira sem precedentes. A juntar às profecias que desembocam na tua próxima data aniversário, com eventos cataclísmicos e com o nosso sistema solar estar mais perto do que nunca, do centro da nossa galáxia e com toda a vibração energética que daí resulta, podemos concluir que temos um programa de festas para 2012 deveras interessante.

    Como curiosidade final, a questão da origem de Viriato continua hoje a ser hoje reclamada por duas cidades; Viseu e Zamora - Espanha.
    A questão é que era Ibérico e andava por aquelas zonas.
    E já naquela altura, ao que parece, um general romano reportava a Roma referindo-se aos resilientes ibéricos "que este povo não se governa, nem se deixa governar". Isto ainda antes de nascer o menino Gesù.

    Aquele abraço.

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  3. uas cidades; Viseu e Zamora - Espanha.
    A questão é que era Ibérico e andava por aquelas zonas.
    E já naquela altura, ao que parece, um general romano reportava a Roma referindo-se aos resilientes ibéricos "que este povo não se governa, nem se deixa governar". Isto ainda antes de nascer o menino Gesù.

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