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terça-feira, 19 de outubro de 2010

O rato e o taliban: uma história verdadeira?

Pessoal, é com algum júbilo, e um muito ligeiro regozijo, que vos lanço mais um post extremamente polémico, envolvendo situações tão graves como ódio racial, guerras além-fronteiras, forças militares, religião, jogos de vídeo, sentimentos de justiça, vingança, marketing agressivo e jornalismo mediático.

Venho falar-vos de um jogo que, ainda mesmo antes de ser lançado, já se encontrava sob fogo-cruzado de várias linhas inimigas (o que não deixa de ser irónico, dado ser um jogo de guerra...): os conservadores moralistas, que alegavam que a editora estava a desrespeitar a memória dos combatentes, um ex-advogado caído em desgraça que bradava a quem o quisesse ouvir que era uma ferramenta de estudo para matar americanos, e os próprios militares, que, levados pela polémica, proibiram a venda do jogo em todas as suas bases (mais de 300).

O jogo em causa chama-se "Medal of Honor" (MoH), um "First-Person-Shooter" (FPS) passado no Afeganistão nos tempos actuais, editado pela Electronic Arts (EA) e criado pela Danger Close, e foi posto à venda há 2 semanas para PC, Playstation 3, XBOX 360 e Wii - até aqui, nada de extraordinário.

Trata-se de um "reboot" de um franchise com mais de 10 anos, que sempre enveredara pelos terrenos mais familiares - e bem menos polémicos - da 2ª Grande Guerra, mas que recentemente tinha vindo a perder fulgor, num mercado cada vez mais saturado de FPS's de excelente qualidade, bem como da concorrência mais que directa da série "Call of Duty: Modern Warfare", da rival Activision, e criada pela Infinity Ward (IW).

Foi aliás esta outra série que mostrou o caminho à EA, "forçando-a" a enveredar por cenários mais recentes, menos trilhados até à data e com maior facilidade de empatia por parte dos jogadores mais novos, para quem a 2ª GG era de facto tão estranha como a ideia da televisão alguma vez ter sido a preto-e-branco...

Resultado, e para isto não se tornar uma análise de jogos, o novo MoH tentou, de alguma forma, recriar, (como era tradição na série, com fidelidade), os cenários de guerra, as relações de camaradagem entre os soldados, a sensação de perigo iminente e a constante dependência do trabalho de equipa, para sobreviver num ambiente francamente hostil aos soldados americanos.

A polémica gerou-se quando veio a lume o cenário escolhido: um conflito demasiado fresco na memória de muitos americanos e britânicos que perderam familiares no Afeganistão - um conflito que continua, aliás, a grassar, ainda quem em menor escala - e a possibilidade de jogar do lado dos Talibans, ainda que só em multi-jogador e nunca na única campanha de jogo.  

O mais estranho é que posso afiançar, tendo já jogado a totalidade da campanha a solo, que o jogo retrata os Talibans, quanto muito, como carne-para-canhão, servidos em doses industriais para amparar as nossas (muitas) munições e sem quaisquer traços simpatéticos de personalidade. Como guerrilheiros que são, aparecem retratados no trailer abaixo como inimigos cheios de recursos mas, tal como no imaginário americano, essa realidade cede lugar a adversários sem rosto, inteligência ou engenho - ou seja, eu só compreenderia se fossem os Talibans a queixar-se do tratamento neste jogo...



Um homem que vive de, e para, a mediatização das suas palavras, Jack Thompson, um antigo advogado de Los Angeles, (presentemente destituído da cédula por processos de corrupção e acusado de crimes de apropriação indevida de dinheiros públicos), auto-intitulou-se defensor da segurança dos soldados aliados em todo o mundo e resolveu fazer uma campanha viral intensíssima contra a EA e o "franchise" MoH - foi visto em vários canais a exacerbar os perigos (imaginados) dos Talibans terem acesso ao jogo e aprenderem a matar Americanos, ilustrando os seus devaneios com trailers do mesmo, bem como algumas imagens que mostravam jogadores a envergar o manto dos Taliban(!!!!) - até consigo imaginar os Gato fedorento a fazer um sketch sobre isto...

O cenário: atrás de um muro delapidado por balas, uma torrente de chumbo calibre 7,62 a esculpir os pedregulhos até se tornarem pandoras, e dois Talibans (podem ser o Ricardo e o Zé Diogo...) todos acagaçados, sem armas, mas de teclado numa mão e rato na outra, em frente um ecrã cheio de pó...
"Ópá, mata-os de uma vez, Aziz, assim não vamos lá!" ao que o outro responde "Rashid, já te disse mil vezes, no jogo eles levantam sempre a cabecinha para eu lhes acertar e quando morro volto a aparecer passado uns segundos, aqui não!!"

Aliás, segundo me lembro, brincar aos índios e aos cowboys ("uiiii, aiiii, cowboys...") ou aos polícias e ladrões, sempre teve um lugar muito presente nas tardes de verão de muito boas famílias com crianças em idade escolar, e nunca nenhum mal veio ao mundo por um fazer de cumpridor da lei e o outro de gatuno, mas enfim, com tanta modernice, se calhar um dia já nem a isso se pode galhofar com os amigos...

Todavia, (in)explicavelmente, não foi assim que o público em geral interpretou as palavras do Sr. Thompson, e não demorou muito a que os media menos informados transformassem o que seria digno de ridículo em merecedor de primeira página.

Estas e outras imagens caíram no goto do sempre-sedento-de-sangue espectador americano, levando à emergência de um frenesim de acusações contra a editora e o próprio estúdio, vilipendiando-os de "terroristas", "irresponsáveis", "insensíveis" e até "oportunistas sem alma" - basicamente, americanos médios a comportarem-se como americanos básicos.

Certo é que, com tanta polémica, a editora achou por bem alterar a designação da segunda facção "multiplayer", de "Taliban" para "Opposing Force", mas nem isso fez com que os organismos militares americanos, (globalmente reconhecidos como extremamente tolerantes e abertos a reconhecer erros), voltassem a permitir a venda dos jogos em todas as bases espalhadas um pouco por esse planeta fora - mais uma vitória para os QI's de 1 dígito, portanto...

Ainda assim, e para gáudio da liberdade de expressão e do direito à escolha dos jogadores, até à data de hoje, o jogo regista já 1,5 milhões de exemplares vendidos, e sem tendência para diminuir nas próximas semanas, classificando-se inequivocamente como um estrondoso sucesso que nem um profeta da desgraça, nem altas patentes da cretinice conseguiram abafar...

Para concluir, que nem todos os meus posts têm de ser testamentos, (só a maioria :) ), não houve nenhuma consequência nefasta de tanta celeuma, ajudando apenas a estabelecer os pusilânimes ignaros do costume versus os liberalistas new-age - em tuga, quem já era nhurro, mais ficou, quem não era... Está a ler este blog ;)

Fiquem bem e uma óptima noite :p



  

1 comentário:

  1. Gostei bastante do teu novo post, não sendo eu uma expert no mundo dos jogos, fiquei bastante curiosa em conhecer o jogo, a avaliar pelo pequeno video que colocaste parece também ter bons gráficos com algum realismo à mistura o que torna o jogo ainda interessante. Espero que continues a dar o "ar da tua graça" por aqui e continues a partilhar connosco aquilo que te vai na moleirinha (não tudo obviamente :P)

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